De acordo com a Nielsen Music, cerca de 32 milhões de pessoas foram a festivais nos Estados Unidos em 2014. Levando em consideração que, nos dias de hoje, turnês correspondem a uma das maiores fontes de renda da indústria da música, o lucro obtido com eventos desse porte é altamente relevante.
Para tornar tudo ainda mais competitivo e rentável, os festivais criaram uma cláusula de raios nas apresentações, ou seja, um contrato que exige que determinado artista não poderá se apresentar em certa distância do local do evento por um período de tempo pré estabelecido. Reza a lenda que no Lollapalooza, por exemplo, alguns artistas contratados não podem performar num raio de 300 milhas (cerca de 483km) de Chicago e nem seis meses antes ou três meses após o festival.
Segundo Seth Fein, fundador do The Pygmalion Festival, ao sul de Chicago, entretanto, tudo é negociável. “Quando eu faço uma oferta, eu quero que o agente saiba de antemão que ‘ei, estamos numa discussão’. Eu ofereço essa quantidade de dinheiro e essas comodidades. Eu espero esse determinado raio de distância, mas podemos conversar. Vamos ser humanos em relação a isso e tentar chegar a uma solução que faça sentido para o festival e o artista”.
A cláusula só pode ser quebrada perante acordo. Para Lucas King, co-fundador e um dos sócios da React Presents, empresa responsável pelo North Coast Festival, Mamby on the Beach e Spring Awakening, a decisão de abrir uma brecha vem do tipo de relação entre a produção do evento e o artista, a proximidade e tamanho do show em questão e também o efeito que ele terá no festival.
“A regra geral é ‘se você for honesto com a gente, seremos com você’ até certo ponto, mas também precisamos proteger nossos interesses”. Tais investimentos, naturalmente, significam milhões de dólares.
Essa realidade, já consolidada no mercado norte-americano, começa a engatinhar por aqui. Um bom exemplo é a polêmica entre o Ultra Brasil e o recifense King que explodiu pela internet nos últimos dias.
Em nota à House Mag, Juliana Cavalcanti, produtora do King, revelou que a filial norte-americana do gigante eletrônico proibiu os artistas da edição brasileira de se apresentarem em outros eventos através de um contrato de exclusividade. Tal manobra inviabilizou a composição do line-up do evento pernambucano do jeito que ele foi idealizado.
Pelo visto, ter o próprio festival é mais complexo do que parece. Em recente mesa redonda promovida pela Consequence of Sound com diversos experts da indústria, incluindo Allen Scott, vice-presidente da Another Planet Entertainment; Justin Weniger, CEO do Life is Beautiful (leia ao review de 2015 através deste link), e Craig Nyman, head de música ao vivo e performance do mesmo festival de Las Vegas, um dos pontos mais citados foi a perseverança diante às adversidades.
“Eu acho que a primeira coisa que eles devem saber é que é necessário estar disposto a pegar um milhão de dólares, atear fogo e não tirar dali”, opinou Scott. “Eu acho que essa é a primeira coisa, porque a maioria dos festivais, a vasta maioria, perde muito dinheiro no primeiro ano ou segundo”.
O próprio Life is Beautiful, entretanto, surfou na boa onda da cidade norte-americana, fugindo um pouco à regra. Quando foi criado, em 2013, a cidade de Las Vegas passava por uma revitalização estimada em 350 milhões de dólares, o que alavancou o evento e fez com quem ele se estabilizasse e desenvolvesse com extrema rapidez. Hoje em dia, por exemplo, o Life is Beautiful conta com três dias de duração e diversas opções de gastronomia, arte e palestras de alto nível.
O que acontece, porém, quando não há grandes investidores? A saída, segundo o profissional, é conhecer gente disposta a arriscar. É necessário se comprometer integralmente ao evento e, além disso, engajar a comunidade ao redor. Se o festival se tornar um sucesso, a recompensa pode reverberar por toda a região (Leia: Rio 2016 Foi Um Grande Festival Descentralizado. E Agora, Qual É o After?).
A questão do line-up, naturalmente, é crucial, mesmo na era da experiência. Além das cláusulas de raios, é atraente oferecer raridades ao público, isto é, uma atração ainda mais exclusiva. Com negociações que podem levar até um ano, trazer à cidade artistas que não se apresentam no local com frequência, shows de reunião ou concertos únicos naquele ano configuram apostas certeira. O Life is Beautiful, por exemplo, já trouxe ao palco Lionel Richie, Outkast e o primeiro show do The Weeknd num festival, em 2014. Eles também foram os responsáveis por levar o Mumford and Sons de volta à Vegas em cinco anos e meio e por realizar o primeiro show do The Lumineers na cidade.
No debate, outro ponto levado em consideração foi a importância do apoio de entidades governamentais. Uma cidade que entende os benefícios de um evento cultural sai na frente e os empecilhos são mais facilmente resolvidos. Felizmente, Las Vegas é uma delas.
“Muito disso é ser transparente com a cidade e trabalhar com eles, deixando-os saber suas intenções e o que o evento pretende oferecer. Há uma gama de pessoas envolvidas que trabalham para fazer tudo acontecer. É um empenho coletivo”.
Além disso, a divulgação também foi abordada e o papel do marketing digital e redes sociais. “Ainda há o operacional e a produção: os palcos, o backstage, o cuidado com os artistas, o catering, áreas vip, toda a comida e bebida, centenas de seguranças envolvidos, polícia local, bombeiros, médicos, departamento de transporte público, vigilância rodoviária. Tudo isso para o evento”, enumerou Allan Scott.
Afinal, depois de tantos detalhes, trabalhos durante um ano inteiro e centenas de pessoas envolvidas, qual seria o principal desafio de um evento deste porte nos dias de hoje, onde a busca por exclusividade aumenta vertiginosamente?
“No momento, o universo dos festivais está muito cheio. Há festivais em todo o país”, ponderou Scott. “Fica difícil escalar talentos únicos porque há bandas que decidem seguir o circuito de festivais, por exemplo, e também há o alto preço da competitividade. O que acontece é que, com os artistas cobrando mais caro, o custo do festival aumenta e, com isso, o valor dos ingressos. Esse é o maior desafio”.
Estaria, então, o mercado de grandes eventos supersaturado?
Segundo o profissional, alguns festivais irão sobreviver e outros que já vem perdendo dinheiro há algum tempo devem desaparecer. A aposta do profissional é nos eventos regionais e, por isso, dois “níveis” de festivais.
“Você precisa continuar investindo. Nós somos um dos poucos com palestras e a arte no Life is Beautiful é incomparável. Agora, a comida também está se tornando um componente importante em vários festivais, então como continuar seguindo em frente? Você não quer virar complacente porque há sempre alguém procurando por uma melhor experiência. A experiência em festivais se comparada há 5 ou 10 anos atrás é completamente diferente. O público está muito mais exigente no que esperar dos festivais porque não estão acostumados com a experiência de 15 anos atrás. Isso pode ser muito duro”.