Review NOS Primavera Sound 2018 (ou porque você deve conhecer este festival antes do hype chegar)


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Como acontece em adaptações de livros que viram filmes, onde quase sempre a obra original é melhor, é raro encontrar uma boa versão local de um um festival que nasceu em outro lugar. É ainda mais raro descobrir uma versão que seja melhor que a original. Para alguns (me incluo nesta), é o caso do NOS Primavera Sound, a edição do festival catalão que acontece no Porto, em Portugal.

NOS PRIMAVERA SOUND © Hugo Lima 

Estive em ambos os festivais, na Espanha e em Portugal, e posso explicar a diferença.

O Primavera Sound de Barcelona – o original – tem mais atrações, é BEM maior e acontece em um lugar incrível, mas bastante urbano e gigantesco, com muito asfalto e concreto (leia aqui o review). Já o NOS Primavera Sound (NOS é o patrocinador master do festival), no Porto, traz em seu cartaz um line reduzido, embora igualmente poderoso, mas é mais intimista e acontece naquele lugar dos sonhos para todo amante de festival: o parque da cidade, cercado de natureza, de fácil acesso, com verde para todos os lados e palcos localizados em anfiteatros naturais cobertos de grama para sentar, tomar uma dose generosa de vinho local e aproveitar a música como ela foi feita pra ser escutada.

NOS PRIMAVERA SOUND 2018 © Hugo Lima

Ou seja, se você busca por fervo, MUITA GENTE (e hype), vá para o Primavera Sound Barcelona. Se você prefere curtir um festival mais sossegado, sem andar longas distâncias, em um lugar mágico e ainda pagando menos, vá para o Porto (aproveite e planeje sua próxima viagem lendo este post).

Dito isso, se liga no review desta edição.

O tempo não ajudou, mas o festival surpreendeu

Estivemos no NOS ano passado e quisemos voltar neste ano porque a impressão foi boa demais (leia aqui o review). Infelizmente, os dias de sol de 2017 não se repetiram em 2018. Fez frio e choveu bastante, especialmente no último dia, o sábado (09/6). Felizmente, o festival surpreendeu positivamente.

NOS PRIMAVERA SOUND 2018 © Hugo Lima

Primeiro, com um line-up que faz qualquer amante da música indie perder o jeitão blasé e deixar cair o queixo (veja aqui o post sobre o lançamento do line). Se liga no cartaz.

Um belo cartaz

Segundo, porque o Primavera Sound deste ano “acordou” e, pela 1ª vez, decidiu seguir a tendência mundial (que já estamos falando há muito tempo) e investir em um verdadeiro line-up de comidas.

A verdade é que a comida deixou ainda a desejar. Especialmente para quem conhece a verdadeira comida portuguesa. Não que não estivesse boa, pelo contrário! Mas as porções de todas as tendas era muito “pequitita”. E os preços… em euros. Os disputados tradicionais sanduíches de porco da Casa Guedes eram quase sempre recebidos com um olhar de decepção de quem os pedia (“só isso?”). Sério, bem pequenos, mesmo.

Ainda bem que tinham os vinhos. E que vinhos! Tomei o melhor vinho do Porto da vida lá. Anotem o nome: Niepoort (Dry White).

Lineup de vinhos do NOS Primavera Porto

Por fim, não menos especial, o toque de Midas. No último dia, quando a chuva caía aos montes, a produção do festival decidiu dar todas as capas de chuva e guarda-chuvas da loja de merchandising do festival para o público. SIM, você leu certo: eles DERAM. Eu mesmo pensei em comprar um guarda-chuvas. E qual não foi a minha surpresa – e de outras várias pessoas – ao chegar lá e receber um “estamos dando, aproveite o festival!”.

O festival distribuiu guarda-chuvas pra galera no último dia

Quer dizer… Não ganhou meu dinheiro, mas levou o meu coração. Alô, produção brasileira: fica a dica.

E a música?

Sou da pista, minha frequência é eletrônica. Embora o NOS Primavera Sound seja o festival dos sonhos dos fãs do indie rock, é também aquele evento que mostra que música boa é música boa, independente de rótulos. Sem dúvida, foi um dos festivais que mais vi apresentações incríveis:

Quinta-feira (07/06)

TYLER, THE CREATOR © Hugo Lima

Cheguei a tempo de ver os ingleses do Rhye, música romântica e açucarada sem clichês, lindo de ouvir. A Lorde me surpreendeu. Mostrou maturidade e um domínio de pista típico de um artistas com muito mais idade que a neozelandesa de 21 aninhos. Tyler, The Creator, foi o grande nome da noite. Curti a forma como ele equilibrou traps com peso e momentos de beleza, interagindo com dois telões de mapping com visuais cósmicos (bem impressionista). Jamie XX fez um bailão! Uma verdadeira aula de história da música eletrônica: começou na disco, foi pro house, virou pro techno, tocou trance e, no meio, colocou alguns de seus hits. Pistão.

Sexta-feira (08/06)

FEVER RAY © Hugo Lima

Breeders foi uma nostalgia, voltei aos tempos de faculdade. As irmãs gêmeas Ibeyi encantaram a pista com simpatia e hits que mais pareciam feitiços com uma pitada franco-latina (bem apropriado o stage delas, assinado pelo Pitchfork, o mais intimista de todos). Peguei o finalzinho do Grizzly Bears, sempre muito sofisticados, uma paleta sonora melódica e melancólica. Vince Staples decepcionou um pouquinho… tocou os hits, tinha uma grande energia de palco, mas senti que não deveria ser um show para o palco principal. O mesmo rolou com o live Four Tet. Artistas de música eletrônica que se apresentam em festivais indie não podem achar que é só chegar lá com seu notebook, mixers e pronto. Foi uma apresentação linda, claro, mas pobre em recursos visuais e carisma (Kieran passou a maior parte do tempo olhando para seu notebook). O projeto da sueca Karin Dreijer, Fever Ray, foi o ponto alto da noite. Um manifesto feminista, com direito a figurinos que debochavam de corpos perfeitos e coreografias teatrais que simulavam a submissão das mulheres (a líder da banda vestia uma camisa com a frase “Eu <3 Mulheres Suecas”, visível provocação ao estereótipo sexualizado das minas de seu país).

Sábado (09/06)

NILS FRAHM © Hugo Lima

Metá Metá fez um show daquele Brasil que a gente vê cada vez menos por aí. O Brasil que deu certo. Fiquei emocionado. Foi a única banda que vi voltar ao palco (principal!) para um bis. A chuva me fez perder o Joe Goddard, mas fiquei debaixo dela (com a capa dada pelo festival) para assistir à catarse coletiva causada pelo Nick Cave And The Bad Seeds. O grande headliner do festival fez um dos melhores shows que assisti na vida. Não sou fã do cara, não conheço sua obra, mas fiquei hipnotizado com sua presença de palco. Com um gesto de mão, ele silenciou as mais de 30 mil pessoas que estavam ali. Com outro gesto, ensurdeceu o resto do festival com uma tempestade lírica e intensa. O melhor ainda estava por vir. O pianista contemporâneo Nils Frahm foi a sequência perfeita (ponto pra programação do festival!). A intensidade pesada e dark do Nick Cave foi lavada pela melodia minimal e celestial do concerto de alemão. Foi como ir no inferno e subir aos céus. Música pra levitar. Sem dúvida, a apresentação que mais gostei de ver e ouvir no festival.

Ainda peguei o início do show do Mogwai, mas depois desta sequência (e da chuva), decidi voltar pra casa e levar estas memórias do jeito que estavam.

Saudade até que assim é bom.

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