No último dia 27, fomos surpreendidos pelo anúncio da primeira edição do Dekmantel fora da Holanda. Se você acompanha o Pulso, sabe que nós somos bem fãs do evento e, é claro, ficamos muito animados com a notícia.
Depois de uma recepção pra lá de morna do line-up do Lollapalooza Brasil internet afora, também recheada de polêmicas envolvendo os preços do festival e a adição do Metallica às atrações, ler as estrelas integrantes do Dekmantel, que será realizado em São Paulo no próximo mês de fevereiro, foi um sopro de ar fresco: em parceria com a label Gop Tun, o evento trará Nicolas Jaar, Jeff Mills, Moodymann, Hermeto Pascoal, Joy Orbison, entre muitos outros. Mas gerou burburinho também ao anunciar Lena Willikens, Nina Kraviz, Shanti Celeste e Valesuchi, quatro mulheres estrangeiras em um universo de quase trinta atrações.
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Em tempos de empoderamento e representatividade como palavras de ordem é curioso como um festival deste porte não tenha se atentado previamente à realidade vigente.
E mais, é surpreendente perceber que um evento tão bem amarrado e, por que não, inovador, não tenha notado que festivais são retratos de determinado recorte da sociedade e que não ficaram ilesos de olhares e julgamentos atentos ao espírito do tempo.
O problema, é claro, vai além do evento em questão. O The Guardian fez uma análise dos festivais do hemisfério norte em 2015 e concluiu que, dentre 12 eventos distintos e mais de 2336 atrações, apenas 270 eram mulheres. Nós calculamos a média da participação das mulheres nos line ups nacionais e vimos que por aqui, elas não passam de 20% das atrações. Nos festivais de música eletrônica, como é o caso do Dekmantel, esse valor não chega nem a 10%. Se não é por falta de talento ou competência, o que impede, então, de termos equidade de gêneros no plural campo da música, visto como muitos como democrático?
Em junho, nós relatamos por aqui o caso do Glastonbury e o recém inaugurado palco The Sisterhood. Por lá, todas as pessoas que se identificassem como mulheres (trans, gays ou deficientes) teriam seu espaço respeitado, seja artístico (todas as apresentações seriam realizadas por meninas), físico (a segurança seria inteiramente composta pelo sexo feminino) ou mental (debates sobre diversidade e interseccionalidade, dentre outros temas, foram promovidos). A ideia pode soar segregacionista para alguns, mas, para as próprias idealizadoras, atitudes como essas são, infelizmente, necessárias numa sociedade machista e que prioriza homens. Não podemos culpá-las.
É complicado criticar um movimento de tentar conquistar seu próprio espaço, ainda mais se você não estiver inserido nele. Em 2016, soa até estúpido nos depararmos com lutas tão socialmente óbvias e que já deveriam ter sido vencidas há décadas. Uma curadoria musical com um olhar mais humano faz toda a diferença até na percepção de marca do consumidor e ainda imprime outra qualidade importantíssima aos eventos em geral: a de inclusão, onde quem reina soberana é a música. E ela, sem dúvidas, desconhece o preconceito, seja ele qual for.