Coronavírus e eventos. Afinal, quando voltaremos a ter eventos no Brasil? O que vale mais a pena? Cancelar ou adiar?
São muitas as dúvidas que passam pela cabeça de quem produz eventos. Navegar pelo cenário de incertezas já faz parte do currículo de qualquer profissional da área. Afinal, não a toa “eventos” e “eventualidades” compartilham a mesma origem gramatical.
Porém, existem situações que nem o mais experiente profissional da indústria estará preparado para lidar. Uma pandemia global por exemplo.
Se o futuro já era incerto, agora mais que nunca recomenda-se cautela. O fato é ninguém sabe o que vai acontecer daqui pra frente. Nenhum instituto de pesquisa ou tendências, tampouco os profetas do apocalipse do WhatsApp, coaches ou gurus, têm alguma resposta.
O máximo que podemos fazer é observar e aprender com os países onde o coronavírus chegou primeiro. Então, vamos nessa?
O que vale mais a pena? Cancelar ou adiar?
Já escrevemos um artigo explicando porque o show deve parar (pelo menos por enquanto).
Porém, sob o ponto de vista de quem já investiu tempo e dinheiro para fazer a sua produção acontecer, o cancelamento de um evento deve ser a última opção explorada.
Em nossos trabalhos de consultoria, orientamos produtores de eventos a desenharem cenários com base no que já está acontecendo no resto do mundo.
Os efeitos do Coronavírus vem em ondas. Primeiro, todos os eventos de março foram cancelados. Em seguida, os de abril. Agora, a bola está com quem faz eventos a partir de maio.
Ou seja, se o seu evento estiver marcado para o 2º semestre, siga o seu cronograma, mas comece a preparar desde já um plano B para quando chegar a hora de tomar a decisão de cancelá-lo ou adiá-lo.
Lembre-se também de que não adianta esperar vendas nessa hora. Também não faz o menor sentido anunciar lineups, promoções ou qualquer esforço de vendas nesse momento. Além de ser uma estratégia ineficaz, é uma atitude insensível e sua marca corre um sério risco de ser atacada nas redes sociais.
Foi o que aconteceu com o Primavera Sound, marcado para 3 a 7 de Junho, e que ainda não arredou o pé de ser cancelado/adiando, mesmo a Espanha sendo o 2º país na Europa com o maior número de mortes.
Abaixo segue o comunicado que a organização do Primavera acabou de postar no seu Facebook. Uma união de festivais europeus de verão se mobilizaram para criarem um movimento para que seus eventos não sejam cancelados. Nota: o Glastonbury, que aconteceria de 24 a 28 de Junho, comunicou o seu adiamento há poucos dias.
A repercussão gerou uma nova polarização. Por um lado, os fãs que acreditam que os eventos devem ser mantidos. Por outro, a indignação de quem acredita que não há clima para festa, e que cobra o adiamento do evento para também trocarem suas passagens e reservas de viagem.
O que a maioria dos produtores de grandes eventos em todo o mundo está fazendo é esperar uma determinação de cima – ou seja, do governo – para que o evento seja cancelado (foi o caso do SXSW, Tomorrowland Winter e do Ultra). É uma forma de reduzir danos e conseguir recuperar parte das despesas (caso haja um seguro contratado), além de minimizar as perdas por pedidos de reembolso.
As duas opções mais exploradas (e recomendadas) têm sido o adiamento ou a transmissão online (live streaming).
A Sympla, plataforma de eventos do Brasil, fez um ótimo artigo com todos os pontos que um produtor de eventos deve considerar ao cancelar e adiar seu evento. Vale a leitura.
Agora, vamos analisar o que dois festivais norte-americanos fizeram quando forçados a cancelar suas produções.
Coronavírus e eventos: caso SXSW
Se você for obrigado a cancelar o seu evento, considere a opção que o SXSW implementou ao ser cancelado pela prefeitura de Austin uma semana antes da data de sua realização.
A produção do evento ofereceu a possibilidade das pessoas utilizarem o mesmo ingresso em qualquer um das suas próximas três edições (2021, 2022 e 2023). Também ofereceu um desconto de 50% sobre a compra de um novo ingressos em qualquer uma destas edições.
Vale esclarecer que – por contrato – o SXSW não é obrigado a dar reembolso, sob hipótese alguma.
Porém, ao oferecer a possibilidade de uso do ingresso pelos próximos 3 anos, ao mesmo tempo em que o festival evita que a sua marca seja ainda mais prejudicada, ele assegura a volta do público.
De uma forma romântica, até nos oferece uma perspectiva positiva: “a gente vai passar por isso, e ainda estamos te garantindo que apesar de você não vir aqui nesse ano, te esperamos em qualquer um dos próximos três anos”.
Coronavírus e eventos: caso Ultra
Diferente do SXSW, o Ultra não ofereceu aos seus fãs a possibilidade de usar o ingresso em uma próxima edição. No lugar, ofereceram uma transmissão online.
“O Ultra Music Festival, adiado para 2021 devido a medidas protetivas pelo COVID-19, realiza a partir da sexta-feira, 20 de março, um Virtual Audio Festival. O UMF fez uma parceria com a empresa de transmissão norte-americana SiriusXM para o lançamento da UMF Radio, que transmitirá a sua versão virtual, às 18h no Brasil.”
O problema dessa opção é que todo mundo hoje – do seu primo aos DJs mais bem pagos do mundo – decidiu virar um bedroom DJ.
São tantas opções de lives pelo Instagram, TikTok etc que em menos de uma semana esse tipo de conteúdo se tornou banalizado (veja aqui: Just Stream It – Opções de Festivais Para Curtir em Casa)
É um princípio econômico básico: quando existe oferta demais, o valor da oferta é reduzido. Se for de graça, então… Que valor real eu ofereço para meus fãs com isso?
Recomendações para a versão online do evento
Produzir uma versão online de um evento é bem mais complexo do que se imagina. Considere desde já:
(1) a experiência online não substitui a real. Não que uma seja melhor que a outra. São simplesmente diferentes. As regras para se construir uma jornada de experiências * de um evento online e um offline são as mesmas. Mas o planejamento e proposta criativa de cada são, por natureza, diferentes.
(2) Variáveis em jogo. Características técnicas para a transmissão (plataforma, largura da banda, iluminação, cenário, posicionamento de câmeras, captação etc) e potencial de engajamento do público (dispersão de atenção, possibilidades de interação, roteiro da transmissão etc) são algumas variáveis a se considerar na produção de um evento online.
* Podemos te dar uma ajuda a desenhar a experiência online do seu evento. Nos encaminhe um email e trocamos uma ideia: contato@projetopulso.com.br
Pretendo adiar: Quando posso fazer meu evento?
Como escrevi no início desse artigo, ninguém consegue prever o que vai acontecer daqui em diante. O que podemos levar em consideração são as experiências dos países que foram impactados pela pandemia antes do Brasil.
Além disso, é importantíssimo levar em consideração as medidas que esses países tomaram, e como a sua população respondeu a elas.
A cidade de Hubei, na China, epicentro de toda a crise, conseguiu pela primeira vez reduzir o número de infectados somente nesse mês. Ou seja, com medidas duras de quarentena e isolamento, o pico da epidemia foi controlada a partir do 3º mês após a identificação do coronavírus (embora identificada em dezembro, a medição na China começou dia 15 de janeiro).
Apesar do declínio, vale reforçar que os casos continuam aparecendo na China a medida que as sua fronteiras voltaram a se abrir e as indústrias, funcionarem.
O primeiro caso registrado na Itália foi identificado há um mês. O país respondeu tarde à epidemia. Somente depois de duas semanas o governo implementou medidas mais austeras de isolamento e quarentena. Como consequência, nesta última semana a Itália registrou um número de óbitos maior que o da China. Para se ter uma ideia, a Itália tem 60 milhões de habitantes, enquanto a China possui 1,3 bilhões… Os primeiros resultados da política de isolamento e bloqueio total do país só serão vistas nas próximas duas semanas.
Comparativamente, o Brasil registrou na semana passada um maior de contaminados que a Itália no mesmo período (proporcionalmente o Brasil tem o triplo de habitantes da Itália).
Ou seja, se o Brasil – e principalmente os Brasileiros – não adotarem imediatamente as mesmas medidas que a Itália e China foram obrigadas a adotar, considerando a quantidade de habitantes e extensão territorial, estamos falando de pelo menos 3 meses até passar o pico da epidemia.
Os Estados Unidos também estão sendo acusados de responderem tarde à epidemia. Já são mais de 43 mil casos confirmados no país.
Regiões mais atingidos, como California e Nova York, cancelaram eventos para mais de 250 pessoas. O presidente Trump, que como o Bolsonaro subestimou os danos do coronavírus até a semana passada, já prestou depoimento informando que a quarentena nos EUA vai durar até agosto.
Porém, enquanto escrevo esse artigo, Trump já voltou atrás e diz que pretende voltar abrir o país a partir de meados de abril. (Nota: os EUA já são o terceiro país do mundo com o maior número de infectados).
Enquanto isso, o Japão adiou as Olimpíadas em um ano, passando de Julho de 2020 para Julho de 2021.
Enfim, quando voltam os eventos no Brasil?
A T4F foi a produtora de eventos que fez o primeiro – e mais correto – movimento: adiar o Lollapalooza para dezembro de 2020.
Eventos de médio ou grande porte que puderem ser adiados, o cenário realista é a partir de último quadrimestre de 2020 (Setembro a Dezembro) e o início de 2021.
É possível que em agosto voltemos a ver festivais no Brasil. Possível, mas nesse momento é prematuro prever. Caso consigamos controlar o avanço da epidemia, seguindo o modelo dos países Asiáticos, a partir de Julho podemos esperar uma redução do coronavírus no Brasil.
Porém, mesmo que uma vacina milagrosa surja no meio do caminho (a estimativa é de um ano pelo menos), é preciso encarar um cenário de baixo poder de compra, alto desemprego e as consequências psicológicas que o medo da doença e isolamento social trarão para a população.
Há um outro aspecto perigoso, como você deve imaginar. O que acontece se todos os eventos forem todos adiados para o fim do ano?
Primeiramente, as pessoas terão que fazer escolhas. O bolso é mesmo. E estará mais apertado.
Segundo, é preciso encarar que muitas pessoas morrerão, outras quebrarão, perderão emprego, enfim… a recessão vai demorar a passar. E o clima para festa, também.
Por fim, vale lembrar que ainda estamos no início da doença. Embora as condições climáticas do Brasil ajudem, se as estatísticas estiverem certas, somente em abril vamos entrar na curva ascendente de casos e fatalidades.
Caso a ficha não tenha caído ainda: o melhor a fazer agora é ficar em casa, se cuidar, evitar o máximo de contato público e torcer para que o Brasil não siga os mesmos passos da Itália.
Quanto antes você e eu seguirmos o protocolo de prevenção mundial, mais rápido veremos essa crise passar.
E mais rápido matamos a saudade da pista também.