É impossível começar esse review sem evocar o tão famoso quanto polêmico Burning Man. Afinal, não é segredo que o Wonderfruit 2019, realizado anualmente em Pattaya, no litoral oeste da Tailândia, nasceu inspirado nesse evento.
Outra curiosa semelhança com o Burning Man é como o Wonderfruit se apresenta. Em seus comunicados, em nenhum momento a palavra “festival” é mencionada. Assim como o Burning Man, que desde o ano passado começou a evitar a se chamar de festival, o Wonderfruit se autodenomina “uma cidade pop-up de utopia sustentável”, “uma celebração da arte, música, comida e ideias” ou “uma plataforma catalisadora de impacto positivo”.
Estivemos no Wonderfuit em 2017 (leia aqui o review) e – daquele ano para esse – também notamos um aumento considerável de participantes com perfil Coachella.
É natural. Apesar de acontecer na Tailândia, seus preços são comparáveis a qualquer festival Europeu, Norte-Americano e até mesmo Londrino. Trata-se de um evento predominantemente frequentado pelo público classe média (alta), mais da metade estrangeiro, grande parte australianos e britânicos.
Dito isso… Pronto! Esquece TUDO que você leu até agora. Porque o Wonderfuit é um festival Tailandês. Embora o fetiche pela fotografia seja tão forte aqui quanto nos festivais ocidentais, a vibe dos frequentadores do Wonderfruit é outra completamente diferente. Veja bem…
O Wonderfruit é ‘muito mais que um Burning Man da Ásia’
O título acima não é nosso. Foi o que a Vice escreveu depois de ter conhecido o Wonderfuit em 2018.
É fácil explicar a constante associação. Queira ou não, Burning Man e Wonderfruit são parte de uma mesma “família” de festivais. Ambos são produções que colocam a participação das pessoas no centro de suas experiências. São festivais transformativos.
O Burning Man é um experimento de cidade temporária guiado por dez princípios. O Wonderfruit é também uma utópica cidade pop-up, orientada por seis pilares: Arte & Arquitetura – o principal, segundo a produção informa – seguido de Música, Farm To Feasts (alimentação produzida por fazendeiros locais), Palestras & Workshops, Wellness (bem-estar) e Família.
Esse último pilar também faz toda a diferença na experiência do festival. É grande o numero de famílias, com crianças e até mesmo pets circulando livremente pelo evento. Existe toda uma programação para pais, mães e filhos, incluindo shows, workshops, brincadeiras e performances. Quer melhor lugar para se conectar com seus filhos que um bom festival? O Wonderfruit entrega tudo isso de forma exemplar!
Tanto Burning Man quanto Wonderfruit também são igualmente pautados pela sustentabilidade. O primeiro é o maior evento “sem traços” do mundo. Já no segundo, o plástico de uso descartável foi banido e todo o carbono produzido pelo evento é neutralizado.
A sustentabilidade não é um pilar do festival. Ela é transversal em TODA a experiencia do Wonderfruit. Veja nos destaques dos nossos Stories no Instagram uma cobertura especial dessa parte, feita pela Carol Soares, co-fundadora do Projeto Pulso, que esteve lá nesse ano trabalhando com a ONG inglesa A Greener Festival.
Existem, claro, sensíveis diferença entre ambos os festivais.
O Burning Man acontece no deserto. O Wonderfruit, no meio de uma floresta tropical. Com direito a montanhas ao fundo, lagos naturais e muitos espaços de grama verde para esticar o corpo no chão entre uma atividade e outra.
O maior destaque do Wonderfruit é mesmo a sua cenografia. É disparado o festival com os palcos sustentáveis mais criativos e bonitos que já vimos! Praticamente tudo é construído com materiais recicláveis ou reutilizáveis.
Cada palco fica num “bairro” do lugar, que a produção chama de Fields. E descobri-los às vezes significa ter que entrar no meio do mato, atravessar uma instalação artística ou se aventurar no meio de uma tenda misteriosa num canto afastado do festival. SIM! O Wonderfruit é um festival para você literalmente se jogar no desconhecido, sem medo de se decepcionar.
Quando a noite cai, a exuberante floresta é iluminada por lasers, fogueiras, instalações de arte high-tech e bastões de led.
É de uma beleza tão espetacular, essa perfeita união entre “Tecnologia & Natureza”, que em alguns momentos voltei no tempo, mergulhando nas minhas memórias de encantamento, deslumbramento e descoberta, quando comecei a frequentar as primeiras raves em Vargem Grande, no Rio de Janeiro, há 20 anos atrás. Desculpe o clichê, mas… foi “mágico”.
Tendências para o futuro dos festivais
O Wonderfruit é mais que um festival. É um grande experimento que reconecta o homem à natureza, sem deixar de abraçar aquilo que nos difere dos animais: a capacidade de imaginar e de usar a tecnologia à nosso favor. Com uma diferença: ali somos lembrados o tempo todo de que a tecnologia deve servir à natureza. E não o contrário.
Um dos grandes diferenciais do Wonderfruit é que ele não tem um palco principal.
Conversamos com Pranitan “Pete” Phornprapha, um dos fundadores do festival:
“Isso aqui não é um festival de música. Nosso melhor lineup foi o do primeiro ano. Entendemos ao longo dos anos que a música não é um diferencial que desejamos buscar. Porque contratar artistas é algo que todo o festival faz. E quanto mais você investe em artistas, mais você se cobra para superar a expectativa do ano anterior. Além disso, quero investir cada vez mais na participação das pessoas. Não acredito nesse formato, onde todos passam o tempo todo olhando para um palco. Por isso, decidimos acabar com o mainstage para passarmos mais tempo pensando em como estimular a experiência dos nossos participantes de outras formas”, explica Pete, confiante de que a fórmula criada aponta caminhos para o futuro não só desse, mas de muitos outros festivais.
Engana-se quem pensa que o Wonderfruit não entrega uma experiência musical incrível. Ele simplesmente deixou de investir rios de dinheiro em shows com mega-produções (caminho oposto do que fazem festivais como Primavera Sound, Coachella e Lollpalooza, por exemplo).
O Wonderfruit fez parceria com respeitados selos da música eletrônica como o francês Ed Banger e avantgard Erased Tapes, para que ambos assinassem palcos e noites incríveis com performances exclusivas. Algumas delas, apresentadas pela 1ª vez ali.
Também criou palcos como o Polygon, que ofereceu uma experiência sonora de 360 graus, com projeções high-tech que sincronizavam audio e imagem ao som de DJs de vários lugares do mundo, incluindo aí a dupla Xique-Xique do Brasil.
Vimos por lá o emocionante show de Jazz da banda de Manchester GoGo Penguins, o hipnotizante e belo set do Daddy G (Massive Attack), o poderoso nutrance-climão do excelente produtor britânico Rival Consoles, entre outras pistas e experiências sensoriais.
Poderia continuar escrevendo por horas e horas sobre o Wonderfruit, mas é aquela experiência que se perde nas palavras. É preciso estar lá pra vivê-la. E é o que pretendemos fazer nos próximos anos, porque é um festival que vale visitar ainda muitas vezes.
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