O Château Perché é um festival de música eletrônica que acontece na França, cada ano em um castelo diferente. Fiquei sabendo da sua exisiência por meio de uma amiga, pois trata-se de um festival quase local. E lá tive a minha primeira experiência com voluntariado em festivais.
Na edição 2019, cerca de 10 mil pessoas estiveram presentes no Château Perché. Podia-se perceber que a grande maioria era de franceses.Grande parte dos estrangeiros fazia parte da equipe de voluntários que trabalhou na construção do festival antes, durante e/ou depois do festival. Eu era uma dessas pessoas e conto aqui como foi essa experiência.
Mas, antes de continuar a leitura, uma perguntinha: topa viajar com a gente para uma cidade e um festival dos sonhos? Conheça os próximos destinos OCLB travel: SXSW (Austin) – confira as novidades, Sónar (Barcelona) e Primavera Sound (Barcelona).
Aprendizados com voluntariado em festivais
O meu processo como voluntária começou com uma vontade imensa de mergulhar no mundo dos festivais de música. Tinha recém acabado um curso sobre artes imersivas e achei difícil encontrar exemplo melhor de obra de arte que trabalhasse nesse nível de imersão. Apliquei para vários festivais – de propostas diferentes. Alguns me deram respostas positivas, alguns não.
Admito que já comecei aprendendo desde a largada inicial. Aprendi que cada festival é um festival e que fazer parte da equipe de criação de algo tão abundante requer muito engajamento.
Percebi que, para a seleção de voluntários, a organização ia atrás não apenas de um bom currículo, mas de coração. Ainda mais no Château Perché, que preza pela liberdade de expressão e essência do ser humano em primeiro lugar. Fora meu país de origem e uma confirmação de maioridade, eles queriam saber apenas das minhas intenções. E nada mais.
Também aprendi que festivais são construídos por muita gente. Não existe apenas um no comando. São múltiplos times que trabalham em cooperação e colaboração – que (quase) sempre funciona.
A experiência no Château Perché
Foi assim que eu descobri que esse festival francês convidaria um time de performance de Berlim para aquecer as noites no castelo. O gurpo se chama The Naked Jacket. Eles fazem as performances mais viscerais e excêntricas que eu já vi. Minha paixão pela dança falou mais alto e eu nem pensei duas vezes.
Falei diretamente com a diretora de arte. Nessas horas a gente já nem mede a distância dos nossos passos. E foi só por isso que eu me conectei tanto. A Kim é pisciana com sede de arte como eu. Falando com ela eu sentia muita honestidade.
Ela me disse que, por mais que o festival acontecesse na França, os ensaios com o time de performance seriam em Berlim. Lembra o que eu disse sobre engajamento? Pois então. Alguns dias depois acordei na Alemanha.
E foi alí que a minha aventura começou
Como toda decisão impulsiva na vida, tudo começou na base da incerteza. Não sabia onde dormir, não sabia por quanto tempo ficar, não sabia que tipo de roupa levar comigo. As coisas foram se esclarecendo aos poucos, entre um medo e outro, entre noites incríveis e tardes confusas.
Percebi que organização não era o forte de ninguém envolvido, nem mesmo das maiores autoridades do Château Perché. Também era a primeira vez da The Naked Jacket no festival e isso não nos impediu de fazer bonito. Por trás de todo caos e falta de estrutura, havia muito amor pela arte e vontade de pertencimento. Que bom que seguramos firme, porque foi só o festival começar que toda magia tomou conta.
Chegamos alguns dias antes no castelo por questões de logística. Foram 16 horas de viagem em uma van lotada de artistas e sem ar condicionado. Foi uma mistura de paixão e caos que na hora é exaustivo mas que no fundo eu amo.
A estrutura oferecida pelo festival
Tínhamos acesso liberado a refeições, mas a comida só chegou depois do segundo dia. Tínhamos lugar pra armar as barracas, mas tivemos que mudar de posição 5 vezes e ainda lutar (é sério) pela única sombra do camping. O lugar era maravilhoso, mas naqueles dias de julho uma onda de calor tomou conta do país inteiro e nós tentávamos sobreviver abaixo de 43 graus diários. A instabilidade das minhas emoções chegava a ser engraçada.
Na primeira noite, não dançamos como planejado por causa do calor, da falta de organização, e talvez falta de energia do grupo. Foi o suficiente pra acordarmos juntos no dia seguinte com disposição dobrada, prontos pro que viesse – foi lindo de viver.
Performamos no mínimo uma vez por dia e dividimos o resto das nossas horas em comer, dormir, ensaiar e, é claro, sentir o Château Perché. Tive liberdade de escolha, flexibilidade de horário e artist care (maquiagem, figurinos, água e café, alguém pra conversar e até massagem). O time se manteve unido do início ao fim, o respeito se manteve mútuo e todos estavam ali de corpo e alma.
Dormi pouco, cansei, suei, mas faria tudo de novo. Mais uma das experiências que vou levar comigo como crescimento pessoal, profissional e emocional.
Dicas sobre voluntariado em festivais
Saí de lá transbordando. Com a energia lá em cima, peguei carona pro meu próximo destino e, chegando lá, tentei digerir tudo que aconteceu. Não teria sido o mesmo sem essa gana que eu sentia pelo desconhecido, pelo novo e pela experiência visceral. Essa, sem dúvida, é minha principal dica pra quem quer experimentar esse tipo de vivência: vontade.
Desde o momento da inscrição, durante os momentos de decisão e viagem, até o trabalho voluntário em si, vai com força. Essa coisa de voluntariar para não pagar o ingresso do festival é besteira. Não há nada pior em um coletivo do que alguém que não quer estar ali. Se for pela música, paga uns euros a mais e te joga! Te garanto que também seria incrível.
Se a curiosidade por ser staff insistir, minha segunda dica é: sente a vibe. Todo festival é bom pra alguém, mas qual é bom pra ti? Trabalhar em um ambiente que faz sentido com os teus princípios é melhor pra ti e pra todo mundo em volta.
Antes de qualquer coisa eu assisti vídeos das edições anteriores do Château Perché, li as normas e as inspirações no site. Vi fotos da The Naked Jacket, ouvi os sons que iam tocar. Afinal de contas, mesmo trabalhando, fazemos parte do festival todo.
Não se esqueça: bebe água, calcule os melhores horários de sono, acampe na sombra, leve uma garrafa d’água e não joga bituca de cigarro no chão. Cuidados básicos são essenciais em ambientes assim, onde a essência do ser humano aflora.
E, por fim: fale com todo mundo. Isso se aplica tanto aos momentos iniciais de inscrição e pesquisa quanto aos dias de imersão. Mande email sem medo, pergunte quando tiver dúvida e até ligue, caso digitar não seja suficiente. E lá dentro, olhe no olho. Troque conhecimento, dance com estranhos e deixe o celular na barraca. Eu fui sozinha, mas saí do castelo me sentindo preenchida.