De todos os festivais por onde passei, escrever sobre o Sónar sempre é o mais difícil.
Não pela sua pluraridade em reunir mais de 140 performances, divididas em 9 pistas ao longo de 4 dias. Tampouco pelo Sónar +D, conferência de criatividade e tecnologia que acontece paralela ao evento, e que apresentou 157 atividades e 400 palestrantes e expositores neste ano.
A dificuldade não é a quantidade de coisa para falar. É uma questão pessoal, mesmo.
O Sónar é declaradamente o festival que mais admiro no mundo. Foi o 1º festival internacional que escutei falar, há 17 anos, quando comecei a trabalhar no canal Multishow (gravei uma “fita VHS” com a cobertura da edição de 2000, que virou uma promessa de um dia vir a conhecê-lo).
Foi através dele que comecei a escutar e pesquisar música eletrônica. E foi o festival que fui mais vezes na vida: no Brasil em 2004 (o Sónar Nokia Trends), 2012 (que edição!!!) e 2015 (a decepção); em Barcelona: 2007, 2013, 2014 e neste ano. Também estive na edição de 2015 em Buenos Aires, mas esta prefiro esquecer… Aquilo não foi Sónar.
Ou seja, além da relação de intimidade, o Sónar é parte da minha identidade. Se hoje existe o Projeto Pulso, em parte, é por causa dele. Então… valeu, Sónar!
Sónar 2017 – 10 anos Depois
Dito isto, começo este review mais pra lá que pra cá. Esta edição foi a menos especial de todas que vivi em Barcelona. Claro, houve momentos mágicos, daqueles que só o Sónar pode proporcionar:
– A performance do excêntrico produtor francês Jacques, que usa elementos do dia-a-dia como panelas, relógios e escovas de cabelo para criar música ao vivo. Demorou a engrenar, mas quem teve paciência presenciou um show daqueles para guardar para sempre na memória (veja o vídeo abaixo a partir dos 14 minutos).
– A apresentação futurista da dupla Nosaj Thing + Daito Manabe, uma masterclass de projeções em tempo real. Sem dúvida, a performance mais high-tech que vi neste ano.
– O bailão disco da lenda Cerrone, abrindo os embalos de sábado à noite com uma sequência de hits que faria os Daft Punks tirarem os capacetes em reverência.
– O minimalismo e intensidade de arrepiar os pelos do projeto Carl Craig Versus Synthesizer Ensemble.
– O soul caloroso, o sorriso simpático e a bateria frenética do Anderson Paak & The Free Nationals. Me senti abraçado.
– A irreverência, carisma e aquelas músicas que te enchem o peito de alegria e amor do Fat Freddy Drop no Sónar Dia. Que showzão! Tanto que rolou bis pela noite.
– A volta do Vitalic no live ODC. Era tudo que imaginava, só que mais. De todos, este é o show que mais quero rever.
De resto, nada demais. Lena Willikens, Prins Thomas, Craig Richards, Damian Lazarus entre outros fizeram sets tecnicamente bons… Mas ficaram nisso. Até os nomes de trap e hiphop, uma das apostas do Sónar deste ano (tanto que criaram uma nova pista, a Sonar XS), ficaram aquém das expectativas.
Não assisti a algumas apresentações que certamente (?) entrariam na lista acima – Arca, Moderat, Joe Goddard, Justice, Boris Chimp 504, Forest Swords, Andy Stott etc. Mas festival é isso mesmo, né? Escolhas, escolha…
Um Festival Morno Apesar do Calor
Existem algumas razões pelas quais acredito que este o Sónar não entregou tudo que poderia.
A primeira, o calor. De 10 em 10 pessoas com quem conversei, todas afirmavam o mesmo: foi a edição mais “caliente” de todas. Durante o Sónar Dia, as pessoas disputavam lugares na sombra. As pistas cobertas, com ar-condicionado, foram as mais cheias durante boa parte do evento.
A segunda, a dispersão. Durante o dia, o Sónar+D foi talvez a estrela que mais brilhou nesta edição. Havia praticamente um festival dentro do festival. Só a área Realities +D reuniu 20 simulações de realidade virtual. Tentei ir na quinta e sexta. Ambos os dias estavam lotados. No sábado, consegui 1 horário, no fim do dia.
Além do Sónar +D, a presença da área VIP no Sónar , que surgiu recentemente, acaba por separar mais as pessoas. Esta área era coberta, com muitos lugares para sentar, um telão projetando o mainstage (com caixas de som) e oferecia uma opção de comida assinada por um chef local (25 euros). Era frequentada majoritariamente por pessoas com mais de 35, 40 anos.
Se por um lado esta facilidade acaba por reter parte do público ao longo dos anos, por outro acaba deixando as áreas de circulação livre do evento mais vazias. A quinta-feira do Sónar Dia (único que não tem opção de sequência à noite) foi a edição mais vazia que já presenciei.
Vale destacar também da programação Off-Sónar, série de eventos e festas que acontecem em Barcelona no período paralelos ao festival e que acabam por interferir na presença de clubbers nas edições de Día e Noche do festival.
Por fim, não menos importante, em 2018 o Sónar celebra 25 anos. Em muitos momentos, tive a impressão que o melhor da festa estava sendo guardada pro ano que vem. Basta dizer que o maestro Laurent Garnier, que há 23 anos encerra o Sónar, neste ano não deu as caras no festival. Pena.
Sónar, Precisamos Falar Sério Sobre Produção
Faltaram banheiros. Segundo depoimento de amigos residentes de Barcelona e que frequentam o Sónar todos os anos, neste ano reduziram a quantidade (e, no press release, afirmavam que bateram recordes de público – 123 mil pessoas no total). As meninas, como era de se esperara, sofreram em dobro.
Os bares, sempre lotados. E com aquela dificuldade escrota de pegar uma cerva. Em dado momento, um de nossos amigos soltou a pérola: “Esses caras estão perdendo dinheiro comigo. Já desisti de pegar bebidas algumas vezes porque não rola esperar 20, 30 minutos. Será que não entendem que a gente quer gastar?”. Nota: tive o mesmo sentimento durante a noite algumas vezes.
Sobre opções de comida, é inadmissível uma cidade com culinária tão rica de opções como Barcelona oferecer uma quantidade tão pequena de opções durante o festival, ainda batendo na tecla dos hambúrgueres, pizzas e hot dog. Compramos curry em um dos dias, mas vinha tão pouco que parecia uma degustação…que vergonha!
O que o Sónar entrega em qualidade de curadoria artística e discussões sobre arte e tecnologia avançadas, falta na produção.
Mais de 50% de seus convidados são internacionais. E , cada vez mais, festival é uma cultura global. Comparado aos festivais norte-americanos, até mesmo dos vizinhos portugueses e franceses, é fato que a produção é o calcanhar de aquiles do Sónar.
Alô, Brasil: Tem Mais Sónar em 2017
Não foi divulgada nenhuma data no Brasil (ainda), mas o Sónar já anunciou suas edições em Bogotá e Buenos Aires no 2º semestre deste ano. A banda islandesa Sigur Ros será o headliner e, depois das confusões que rolaram na capital argentina em 2015, a tendência é que o evento possa melhorar neste ano. Enquanto os 25 anos não chegam, é uma boa opção de warm up.
E a história de amor continua… até 2018, Sónar.