Nos últimos dias, a pauta do entretenimento foi totalmente dominada, como previsto, pelo Rock in Rio 2019. Além da programação, shows, coberturas ao vivo e muito material gerado nas redes sociais, talvez você tenha sido impactado por amigos mostrando a quantidade de resíduos no chão do evento e o tema Lixo Zero.
No meu caso, a cada Rock in Rio, Lollapalooza ou outro grande evento de impacto nacional, alguém me manda imagens do mar de resíduos que resta ao final. Já é até esperado.
Ultimamente, no entanto, tenho recebido essas fotos e relatos de pessoas que não são especialistas ou ativistas. Isso me impulsionou à necessidade de me posicionar sobre o tema. Ao invés de escrever várias vezes a mesma mensagem em diferentes redes sociais, resolvi escrever um artigo de livre opinião. Dessa maneira, meu foco aqui é desenvolver quais lições tiramos desses megaeventos sobre o caminho do setor rumo ao lixo zero.
Antes de continuar a leitura, uma perguntinha da equipe Pulso e OCLB: topa viajar com a gente para uma cidade e um festival dos sonhos? Conheça os próximos destinos OCLB travel: SXSW (Austin), Sónar (Barcelona) e Primavera Sound (Barcelona).
Afinal, o que podemos aprender com esses festivais sobre Lixo Zero?
Afinal, o que é ser lixo zero, do ponto de vista prático? Se você quiser pedir a certificação ao Instituto Lixo Zero Brasil da sua atividade econômica, precisará garantir que a sua taxa de desvio de aterro sanitário seja de no mínimo 90%, ou seja, não enterrar ou queimar esse material e dar destino mais nobre para ele, como reduzir, reutilizar, reciclar ou compostar.
Lixo é algo ruim, cuja solução é enterrar ou queimar, a um custo alto para empresários, clientes e cidadãos. Se não deixarmos o material descartado se misturar, podemos tratá-lo como insumo para novas cadeias de valor.
Agora imagina fazer isso em um contexto onde a taxa de desvio de aterro sanitário dos municípios brasileiros é mínima. Esse é o esforço de Economia Circular mais mão na massa que se pode ter. Portanto, o lixo zero é considerada a Fórmula 1 da gestão de resíduos hoje no mundo.
Na média, a gestão de resíduos de megaeventos de entretenimento não é alvo de grandes preocupações dos seus gestores, exceto quando eles devem pagar não só pelas equipes de limpeza, mas pela destinação final. Em um país com tantos lixões ainda ativos, onde se pode simplesmente despejar o material “de graça”, nem sempre essa é uma prioridade dos empresários do show biz.
Em eventos de entretenimento focados em shows, como o Rock in Rio, a dinâmica é mais ou menos a seguinte: até o show começar, as pessoas comem, bebem e se engajam em diferentes atividades e experiências espalhadas pelo espaço. Quando o espetáculo começa, as pessoas se aglomeram na frente do palco, somente saindo para aguardar o próximo show (onde repetem o comportamento pré-show) ou para ir embora. Durante todo o período, essas pessoas estão gerando resíduos.
Entenda quais são os principais desafios
Baseado nisso, vamos a algumas lições sobre os principais desafios a serem enfrentados por megaeventos rumo ao lixo zero:
1 – Natureza do Negócio
Contrate um serviço de limpeza que seja especialista em grandes eventos. Limpar prédios, escritórios ou mesmo um bairro, requer logística e modelo mental radicalmente diferentes da demanda de um megaevento.
Enquanto neste, o pensamento é agir rápido, com contingentes enxutos focados na tarefa e manter a prontidão; naquele, é focar em áreas prioritárias, recolhendo grandes quantidades e com contingentes dispersos até acabar a movimentação principal, para depois realizar limpeza mais cuidadosa.
Sendo assim, em megaeventos, não deixe acumular serviço porque reduz a eficiência das equipes e ainda deixa má impressão no público.
2 – Governança
Deixe claro quem faz o que e de que jeito. Em megaeventos, uma cadeia de comando e processos bem desenhados significam respostas rápidas e eficazes em situações onde a aglomeração de pessoas pode rapidamente transformar um pequeno problema em uma catástrofe. Portanto, ter um comando claro ajuda a manter limpo o espaço onde dezenas ou centenas de milhares de pessoas geram lixo sem parar.
Se as equipes de limpeza não tiverem compreendido 100% das orientações e não tiver lideranças competentes para conduzir a realização das tarefas, é impossível manter tudo em ordem. Deixar o resíduo acumular para limpar depois não faz muito sentido no contexto atual de eventos de alcance nacional ou internacional.
Equipes bem treinadas, de prontidão e no esquema intensivo é a chave. Talvez esse seja o principal fator que impede a eficiência da gestão de resíduos em megaeventos.
3 – Lixo Zero
Mantenha alta gestão, equipes técnicas e fornecedores engajados. A taxa de desvio de aterro sanitário do município do Rio de Janeiro não passa de 5%. A cidade ainda é muito pautada por enterrar lixo (Gramacho ostentava o título de maior lixão da América Latina até 2012) e várias empresas de transporte e destinação de resíduos não têm interesse que isso mude.
Para gestão de resíduos em alta performance, ou seja, ser lixo zero, criei uma fórmula básica. Tome nota: donos e gestores comprometidos com o assunto (na hora que acontecer o problema, eles serão os garantidores do processo), equipe técnica dedicada a conectar os resíduos gerados em novas cadeias de valor (transformando fluxos lineares em circulares) e fornecedores qualificados.
Em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, é relativamente fácil encontrar destinações corretas para a grande maioria dos materiais gerados. Lembre-se então que lixo é problema cuja gestão significa custo, resíduo é solução porque gera faturamento, emprego e renda.
4 – A natureza dos megaeventos focados em shows
Na área em frente ao palco, seja simples e direto. Eventos como o Rock in Rio são focados em grandes palcos com enormes audiências na sua frente. Para as equipes de limpeza, isso é um pesadelo, porque é impossível posicionar e manter lixeiras e recolher os resíduos no meio da multidão aglomerada.
Nesse caso, restaria somente aguardar a dispersão para fazer o serviço. Mas é possível colocar grandes coletores de resíduos bem sinalizados para que a multidão consiga ter como referência. Deixe o coletor único, sem separações. Nesse caso, menos é mais.
5 – Por que esse assunto ganhou tanta relevância?
Lixo virou pop e não é de hoje. Cada vez vemos uma audiência mais consciente sobre questões ligadas à sustentabilidade no mundo. De acordo com que descobrimos as consequências do consumo de agrotóxicos, mais gente adere aos orgânicos, por exemplo.
Quanto mais descobrimos o custo e impacto negativo do lixo nas cidades e até nos oceanos, mais gente começa a querer levar um estilo de vida lixo zero. É um processo natural e previsível. Nos últimos grandes eventos de impacto nacional, esse assunto já era tendência e provavelmente os gestores já sabiam disso.
Em 2019, diante de tanto debate socioambiental nacional e internacional, com artistas e marcas se posicionando fortemente nas mídias, o tema ganhou ainda mais força. No caso específico, o evento passa e o lixo fica, rendendo boas fotos para redes sociais e jornais com facilidade.
No caso do debate sobre a mudança do clima, é bem mais difícil produzir material audiovisual impactante simplesmente porque os gases de efeito estufa não são visíveis em sua grande parte.
6 – E o papel do público?
Cabe aos gestores dar as condições para a atuação do público. Sem isso, não tem muito o que as pessoas fazerem nos eventos. Sinalização ruim, poucos coletores, equipes ineficientes são toda a desculpa de que algumas pessoas precisam para não fazer a sua parte.
Esse ainda é o maior percentual do público frequentador de eventos focados em shows. Ainda que existam as condições ideias, veremos resíduo pelo chão por algum tempo, até que as pessoas compreendam que o evento mudou e está preocupado com esse tema.
A importância do diálogo sobre Lixo Zero
Enfim, mais do que dominar a verdade, esse texto se propõe a abrir um debate sobre aprendizados e problemas em potencial sobre a gestão de resíduos em alta performance para megaeventos nacionais e internacionais.
Em breve, veremos os principais eventos do Brasil engajados com a gestão de resíduos lixo zero. Por que eu acredito nisso? Porque vejo o tema esquentando a cada foto viralizada nas mídias, ao mesmo tempo em que vejo boas iniciativas surgindo pelo Brasil e pelo mundo, como cooperativas de catadores de materiais recicláveis cada vez mais eficientes ou o surgimento de novas tecnologias na área. Além disso, sou otimista antes de tudo.