De uns tempos para cá, de norte a sul do Brasil, observo com entusiamo uma enxurrada de festas, feiras, exposições e eventos de todos os tipos ocupando as ruas.
Tal como na Internet, as barreiras entre o privado e o público, entre o eu e o coletivo, estão cada vez mais difusas. O mesmo se passa nos festivais. Seja um voltando para crianças como o Meu Primeiro Festival (leia aqui), outro de arte urbana (Arte Core) ou mesmo num festival de música instrumental (MIMO), o fio condutor é o mesmo: uso de espaços públicos, de forma gratuita, com o pé na rua.
Um dos aspectos mais interessantes sobre estes festivais é a possibilidade de (re)conhecer a cidade e conectar-se com ela.
No último final de semana, por exemplo, conheci o bairro de Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, graças ao Festival Circuladô. Promovendo 10 shows de artistas independentes em 10 coretos da cidade, o Circuladô nos convida a ir em lugares que normalmente estariam fora de nosso radar. Uma proposta simples, curiosa e irresistível, que só tenho elogios pra dar.
“Reterritorializar o mapa da música independente carioca. Fomentar o acesso democrático à cultura. Esses são os principais pilares do Festival Circuladô | Novos Sons no Coreto”.
Saindo de Marechal, fui até o centro da cidade, no bairro da Glória, que faz a ligação desta região com a Zona Sul da cidade. Lá estava rolando o MIMO, festival que teve seu início em Olinda em 2014. Até então restrito a cidades históricas, foi lindo ver o MIMO sendo realizado em plena Praça Paris, mesmo debaixo de chuva.
Mas se teve quem ficou feliz com o festival, também teve quem foi contra. Rolou um grande bafafá na imprensa e nas redes sociais antes do MIMO ser realizado. O motivo: um dos palcos seria montado em cima de um lago na praça, o que colocaria em risco a vida dos peixes de lá. No evento, cheguei a presenciar os produtores do festival interrompendo um dos shows para pedir para as pessoas sairem do lago. Também observei um problema crítico em todos os festivais gratuitos: a falta de banheiros para atender a grande quantidade de frequentadores.
Ainda na polêmica sobre o uso de espaços públicos para festivais, vale lembrar que o Ultra Brasil foi proibido de ser realizado duas vezes neste ano pela escolha de seus locais (veja aqui). O segundo deles, a Quinta da Boa Vista, com o argumento de que o espaço não poderia receber as 80 mil pessoas previstas (nota: a produção estipulou um limite máximo de 25 mil pessoas por dia). Curiosamente, no mesmo final de semana do MIMO e do Circuladô, a Quinta recebeu o show do cantor Zeca Pagodinho, patrocinado por uma conhecida marca de supermercados, para um público estimado de 100 mil pessoas.
Quer dizer, samba pode. Música eletrônica não. Qual o critério doIPHAN?
Como é de conhecimento público, o Rio de Janeiro vive um período econômico e politico bastante conturbado. Com o fim das Olimpíadas e já há quase três anos da Copa do Mundo, a capital do turismo nacional vê uma enxurrada de novos eventos acontecendo na cidade, mas continua enxergando esta indústria como algo irrelevante em sua agenda.
Grandes investimentos foram feitos na cidade de forma a receber milhares de turistas para estes grandes eventos, mas agora que a “festa acabou”, é hora de olhar para a frente. Ou melhor, pra dentro.
Talvez a luz no fim do túnel esteja aí, nos festivais que acontecem e ocupam a cidade. Basta mirar-se no exemplo de outras cidades que sediaram os jogos olímpicos como Barcelona, que há anos entendeu os benefícios de investir em um diálogo constante entre festivais, seus produtores e o público que os frequenta (veja aqui: Como Ocupar uma Cidade com Um Festival).
Enquanto isso, fica o agradecimento aos corajosos empreendedores que vem ressignificando a cidade ao nos mostrar como a rua pode virar uma boa pista também. Que venham os próximos!