E quando a pandemia passar? Perspectivas do setor de entretenimento pós Covid-19


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Pode ainda ser cedo para sabermos o que vai acontecer efetivamente com a indústria do entretenimento. Afinal, estamos vivendo um dia de cada vez, com mudanças de posicionamentos, decretos e novas recomendações a toda hora. Assim, o momento agora é de planejamento, porque para qualquer que seja o desfecho desta pandemia, temos que estar prontos para o novo mundo DC – aqui não mais se tratando de Cristo, mas sim do COVID-19. Sei que isso pode soar alarmista e um tanto exagerado. É inegável. Porém, também é verdade que grandes crises e guerras são vistas como “turning points” importantes da sociedade, pois trazem à luz novas realidades e modelos que em tempos de tranquilidade não são percebidos.

O futuro fica mais assustador e sombrio quando se trata de um ano que estava sendo visto como positivo. “A gente fica preocupado, claro. O mercado neste ano começou de 30% a 40% mais acelerado do que no ano passado, todo mundo querendo montar evento para ontem. Agora, tudo parou”, comentou André Zavarize, CEO da ZAZ Produções ao UOL. “Mas acredito que vai retomar. Não pretendemos calcular [o prejuízo] neste período porque estamos considerando que os eventos aparecerão lá para frente.” 

E quando se fala que o setor tinha ótimas perspectivas para esse ano não é exagero. 

A Eventbrite – que encerrou suas operações no Brasil no dia 13 de abril – divulgou um relatório com as expectativas do setor há pouco mais de 2 meses. Esse relatório mostra que 78% dos organizadores brasileiros pretendiam fazer mais eventos em 2020, incluindo um aumento de 66% em suas equipes para atender a demanda. Mas uma das maiores preocupações é que momento esses eventos “lá na frente” vão aparecer. E será que vai ter lugar pra todo mundo? Afinal, se todo mundo adiar, como ficam os eventos previstos para o segundo semestre? 

Os órgãos que representam o setor estão se movimentando para tornar o futuro menos caótico. 

No Rio de Janeiro, por exemplo, a Apresenta Rio (Associação dos Promotores de Eventos do Setor de Entretenimento e Afins do Estado) fez um pedido ao governo federal, estadual e municipais com dez medidas para ajudar o setor na crise. Essas ações incluem o acesso imediato a linhas de crédito específicas, um regime de tributação diferenciado temporário e desoneração da folha de pagamento para os empregadores com isenção do recolhimento de INSS e FGTS pelos próximos 180 dias. 

Por falar em auxílio do governo, a Alemanha aprovou um programa de emergência de 50 bilhões de euros para reduzir as consequências econômicas do COVID-19 para freelancers e pequenas empresas. De acordo com o plano, eles poderão receber benefícios financeiros diretamente. Uma nova avaliação da Association of the German Trade Fair Industry (AUMA) mostra que os adiamentos e cancelamentos das feiras custarão à economia alemã aproximadamente 5,5 bilhões de euros e cerca de 45.000 empregos poderão ser afetados. Além da Alemanha, outro lugar que mostrou mudança em seu posicionamento é Amsterdam. A cidade está se comprometendo para uma mudança pós-coronavírus no seu sistema de gestão da economia, priorizando as pessoas e o planeta (leia aqui sobre a Doughnut Economy).

Fonte: Divulgação

Nos Estados Unidos, a intitulada Lei de Auxílio, Ajuda e Assistência Econômica a Coronavírus (CARES) vai pagar até US$ 1.200 para milhões de americanos e lançará um novo programa de assistência ao desemprego pandêmico para trabalhadores independentes que estão desempregados devido a crise. Os criadores de música independentes também terão acesso a empréstimos e doações de US $ 350 bilhões, incluindo um subsídio especial de US$ 10.000 que não precisa ser reembolsado. O projeto ainda dá um fundo suplementar de US$ 75 milhões para a National Endowment for the Arts, com 60% dos fundos dedicados a doações diretas para organizações sem fins lucrativos e outros beneficiários elegíveis para responder ao coronavírus. Os 40% restantes dos fundos serão destinados a conselhos estaduais e regionais de artes. 

No inicio de Abril, o diretor comercial da Time For Fun, Leo Duarte, fez uma alusão genial na live ØCLB de Pijamas (leia mais: OCLB de Pijamas Discute o Futuro do Entretenimento Pós-Coronavírus). Ele comparou o nosso mercado ao das companhias aéreas – também violentamente afetadas pelo vírus e em extrema necessidade de ajuda governamental para manterem suas operações no mundo todo. Essa comparação faz muito sentido, analisando que o avião cheio ou vazio, vai decolar. A mesma coisa acontece com os eventos, por exemplo. O que temos é um projeto, cheio de custos, estratégias e sonhos, mas no fim não sabemos quantos serão os ingressos vendidos.

Ao contrário do que muitos pensam, os dois mercados apresentam custos operacionais enormes. Pagar a conta é sempre um desafio. Dar lucro, nem se fala. Parafraseando o lendário Richard Branson, da Virgin (que ironicamente atua tanto na aviação como no entretenimento): “se você quer ser milionário no mercado de aviação basta ser bilionário”. O risco é enorme, e não só para a produtora do evento (ou companhias áreas), mas toda a cadeia que é extremamente interdependente, desde empresas de som e luz com seus ostentadores inventários, até as equipes e fornecedores que fazem o show acontecer.

E para complicar ainda mais esse processo, dependemos cada vez menos de venda de ingresso e mais dos patrocinadores. Segundo Roberta Medina, em seu painel no Rock In Rio Academy 2019, 50% da receita de um dos maiores festivais do mundo vem de marcas, que são mais de 70 por toda a cidade do rock (o Rock in Rio, aliás, foi criado em 1985 em meio à outra epidemia, o HIV). E esse ainda é um cenário novo, onde todos estão aprendendo. Não é simplesmente vender mídia como na TV e rádio por exemplo, algo mais estabelecido e com formatos fechados. “É como vender um terreno no céu”, conta Leo Duarte da T4F.

Segundo Eduardo Baraldi, CEO da Octagon Brasil, os cortes estão acontecendo, mas nem tudo perdido. Marcas se aliam a eventos e festivais com um pensamento a longo prazo de lifestyle e não uma oferta pontual. Mas o grande problemas é que as estratégias mudaram no meio do caminho e foi necessário um remanejamento das verbas, onde só a relevância vai sobreviver: “Haverá a necessidade de se reinventarem para que os patrocinadores, que muitas vezes têm budget limitado ao período de no máximo quatro anos de apoio – na maior parte dos casos em um período bem mais curto – continuem a enxergar relevância no patrocínio”, coloca. 

Foto: Kazuhiro Nogi/AFP

A realidade que as marcas estão vivendo agora é seus consumidores desacelerando e tendo menos distrações no consumo de mídia e um nível mais profundo de envolvimento. Segundo Gayle Troberman, CMO da iHeartMedia, você pode ser ouvido com mais facilidade agora:

“A empatia da marca é a nova autenticidade. Acredito que há uma oportunidade muito única no momento de avançar como marca ou negócio e ter um impacto real. Esteja você oferecendo assistência, ofertas, doações, isenção de pagamento ou você simplesmente tem um produto que os consumidores podem usar no momento”

Não é o momento de pensar em lucro, mas sim no coletivo.

Por falar em outras estratégias vemos grandes marcas como a Ambev – talvez umas das marcas que mais soube responder com agilidade à crise – patrocinando lives com atrações batendo recordes de audiência e arrecadando dinheiro para causas importantes, apesar das críticas de exposição da equipe técnica (por vezes exagerada e contrariando às recomendações da OMS) e das regras do CONAR, órgão nacional regulador de publicidade, com exibição de bebidas alcoólicas sem o devido cuidado com menores de idade. 

O VP de Marketing da cervejaria, Ricardo Dias, em um bate papo ao BTG Pactual comentou que as lives musicais devem crescer, mas estão engatinhando ainda, se comparado ao mercado de games que faz isso há tempos. “O negócio de música ao vivo não vai acabar, tenho certeza disso, mas um novo mercado foi criado”, comenta. Algo que não sabemos como vai se comportar ainda, pois segundo o relatório Global Web Index de 2020 mostra os Millennials assistindo muito mais lives que qualquer outro público – Millennials estão consumindo 21% mais que os Baby Boomers e 13% mais que a geração Z. Se é uma tendência ou não só o tempo dirá, mas o fato é que boa parte da verba prevista para eventos ao vivo foram direcionados para essas iniciativas.

O diretor da Som Livre, Marcelo Soares, falou em uma live da Apresenta Rio em 16 de abril que o modelo é interessante, principalmente para formatos de patrocínio, mas é difícil que ele continue relevante. Pois na opinião dele “a experiência ao vivo é insubstituível, e não é um modelo muito atrativo financeiramente para os artistas”. Marcelo também ressaltou que transmissão de shows sempre aconteceram e nunca representaram uma concorrência ao mercado. “As pessoas estão ansiosas para sair de casa”, completa. Na mesma live, Luis Justo, CEO do Rock In Rio também comentou que não vamos ficar trancados para sempre em casa, mas que a vantagem desse momento é a aceleração destas ferramentas tecnológicas e que “a confraternização está na natureza do ser humano”. Soares também lembrou o carnaval pós Gripe Espanhola, em 1919, que foi um dos mais ativos e também mais eróticos, segundo o escritor Nelson Rodrigues.

Luis Justo também comparou a crise do COVID-19 ao 11 de setembro, quando houve mudanças significativas no comportamento da sociedade no que se tratava de segurança em aglomerações e que agora não será diferente. Novas medidas sanitárias vão naturalmente fazer parte da vida e consequentemente dos eventos. Mas, para ele, o período de recessão é óbvio para todos os setores. Ainda na live aberta da Apresenta Rio, o CEO do Rock In Rio falou de ações que o poder público pode fazer pela segunda maior indústria do Rio de Janeiro – turismo e entretenimento – como olhar com seriedade este mercado e focar nos pequenos, com uma política de fomento justa. Para se ter uma ideia, a demanda do setor só no estado do Rio de Janeiro é de R$ 16 bi, que teve um pacote de estímulo anunciado pela AG Rio de R$ 300 milhões. 

Virando a pagina, para o outro lado do mundo. 

Sobre os Jogos Olímpicos de Tóquio, o jornal japonês Nikkei estimou custos adicionais em US $ 2,7 bilhões devido ao adiamento. Os Jogos tinham um orçamento de US$ 12,6 bilhões, embora a agência nacional de auditoria japonesa tenha dito que os gastos reais foram de US$ 28 bilhões. O presidente do Comitê Olímpico, Yoshiro Mori comentou que “O que estamos trabalhando há sete anos chegou a um ponto estridente quando estava prestes a começar – e agora precisamos reconstruí-lo novamente”. Um golpe significativo também para a indústria de seguros. Peter Tempkins , diretor-gerente da seguradora HUB International, espera que a perda potencial ultrapasse os valores pagos pelas seguradoras em torno dos pedidos de 11 de setembro. Nesse caso, as apólices de resseguro que as seguradoras compram para mitigar seu próprio risco provavelmente entrarão em jogo. “Não vai deixar essas empresas fora do negócio, elas são empresas públicas, colocarão mais ações ou farão algo – elas têm enormes reservas”, diz Tempkins. Vale lembrar que são poucos os promotores de eventos que contratam seguros tão completos que abrangem uma pandemia. O próprio SXSW não tinha cobertura e calcula os prejuízos. 

Outro ponto que preocupa o futuro de quem trabalha com entretenimento são as demissões. 

Apesar de ser um mercado extremamente informal, grandes companhias têm equipes enormes ao redor do mundo, que já estão sofrendo com licenças e desemprego. A Paradigm, agência de talentos hollywoodiana, por exemplo, duas semanas após a implementação de demissões e cortes de pagamentos anunciou, através do presidente e CEO Sam Gores, que a empresa criou um fundo de socorro de US $ 1,1 milhão para os mais de cem colaboradores demitidos  temporariamente. Além disso, anunciou o corte no seu próprio salário até o fim de 2020, como fizeram também os chefes da UTA e da Endeavor – proprietária da WME.

A Disney planeja dar licença para cerca de 43.000 trabalhadores depois de ter fechado no mês passado por causa da pandemia de coronavírus. “Esta é uma decisão da qual o sindicato não gosta”, disse Eric Clinton, presidente da Unite Here Local 362 , no sábado, em um anuncio no Facebook Live. “No entanto, é direito da empresa demitir e dispensar funcionários nessa situação”. Os trabalhadores poderão manter seus benefícios de saúde durante o período, uma boa notícia em meio a tantas demissões em todo os Estados Unidos. Até agora, mais de 16 milhões de americanos perderam seus empregos em meio ao surto.

Falando em perdas, a indústria fonográfica da Espanha sofrerá um impacto direto de pelo menos 100 milhões de euros, segundo a associação espanhola Promusicae. A péssima previsão vem das notícias de que as vendas de músicas na Espanha atingiram o pico em 2019, quando a entrada subiu para 296,4 milhões de euros (324 milhões de dólares), um aumento de mais de 22% em relação a 2018. Esses números, divulgados quarta-feira (1 de abril) pela Promusicae, representam uma recuperação muito disputada e robusta, que iniciou-se em 2014, quando a indústria fonográfica caiu para o ponto mais baixo após um declínio de uma década.

Na Itália, Enzo Mazza, presidente da FIMI, grande gravadora, estimou que as perdas para a indústria musical da Itália também poderiam exceder 100 milhões de euros. O setor ao vivo sofreu uma perda estimada de 10,5 milhões de euros (US $ 11,5 milhões) apenas na última semana de fevereiro. A FIMI diz que está vendo uma queda de 60% nas vendas de discos físicos, uma queda de 70% nas receitas de sincronização e uma queda de 70% nas receitas de música de fundo de lojas e bares. O Reino Unido, em uma pesquisa de impacto econômico realizada pelo Sindicato dos Músicos atribuiu o custo da pandemia até agora a mais de £ 20 milhões.

Sem dúvida, todos estão sofrendo com este momento e ainda vamos sofrer muito, seja financeira ou mentalmente. Segundo o Secretário de Turismo de São Paulo em entrevista à CNN, no período da H1N1 o setor – que inclui o entretenimento – demorou 20 meses para voltar para o D0 – voltar ao mesmo volume e atividade que estava antes da crise.  Isso considerando que a parada foi muito menor se comparada com a atual, cuja as extensões são incalculáveis. Se até a maior potência mundial – que foi chamada de terceiro mundo em meio a pandemia – não estava pronta para a maior crise que estamos vivendo globalmente, imagine produtores independentes e a cena cultural dos mais variados lugares.

Apostas não faltam sobre o próximo capítulos do coronavírus e a indústria do entretenimento. Biólogos acreditam que quando a pandemia passar (estimada para o último quadrimestre de 2020) , a ressaca da sociedade será grande. Ainda vai levar tempo para ter a vida como antes, afetando os reagendamentos de eventos e datas como réveillon. 

Grandes aglomerações, locais fechados podem ainda causar medo no público, mas ainda há os mais otimistas – confesso que sou um deles – como Roberto Medina, criador do Rock In Rio, que declarou ao Estadão que “as pessoas (…) devem ter uma reação rápida, terão uma necessidade de comemorar. A minha aposta é de que essa sociedade vai estar com desejo de ir para a rua.” 

Articuladores do mercado em reunião aberta na quinta-feira, dia 9, promovida pelo Apresenta Rio, trabalham com 3 cenários. O primeiro deles com o setor voltando em outubro normalmente. Outra opção seria uma retomada gradativa, em locais abertos e sem tanta aglomeração. E o último e pior cenário possível, os eventos só voltando a acontecer em 2021.

Baladas voltando em clubs na China

Não é o que se tem visto em clubes na China, por exemplo. Lá, os clubs estão reabrindo aos poucos com diversas regras – medição de temperatura na entrada, desinfecção do ambiente a cada hora, capacidade reduzida e máscaras. No mercado aéreo também temos exemplos como a Emirates, que está oferecendo testes rápidos de Coronavírus para os passageiros antes de embarcar. E assim a vida ao redor do mundo vai voltando ao normal.

Qualquer que seja o desfecho desta situação que mais parece um filme de ficção científica, o mundo provavelmente sairá diferente. “Aposto que alguns ideais hippies voltarão como uma força de contra-movimento ao conservadorismo”. como mencionou Franklin Costa, fundador do Projeto Pulso em uma edição recente do OCLB de Pijamas. 

Um ponto de vista interessante, afinal de contas, nunca vimos uma economia tão colaborativa, pessoas tão dispostas a ajudar – com algumas exceções, é claro. A poluição diminuído, pandas conseguindo acasalar depois de anos e a busca pelo autoconhecimento e segredos da mente (via neurociência). 

Não é lindo isso? Como diria aquele velho ditado, “há males que vêm para o bem”. Por isso encerro esse texto com uma frase de Abraham Medina, pai do fundador do Rock In Rio, Roberto medina: “Nosso negócio só vai bem se a cidade vai bem”.

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