Passado o furacão Rock in Rio, recupero o fôlego pra contar minhas impressões sobre o Hack Town, a 3ª edição do festival de criatividade e tecnologia que rola em Santa Rita do Sapucaí, interior de Minas Gerais.
Foi minha 2ª vez lá e todas as percepções positivas do ano passado repetiram-se (leia aqui: Criatividade e Tecnologia com Tempero Mineiro). Ajustaram os horários, dando um pouco mais de tempo para as pessoas se locomoverem pelos locais das palestras, espalhadas pela cidade. Também ampliaram a diversidade de assuntos e conteúdos. Neste ano a música ganhou mais espaço dentro e fora das salas.
Como toda segunda vez, o brilho da estreia foi ligeiramente ofuscado pela repetição. Felizmente, não faltaram surpresas. E que surpresas!
Nomadismo Pós-Demográfico
Começando pela palestra que Carol e eu fomos convidados para dar (1 Ano Sem Casa: Insights e Aprendizados sobre a Vida Nômade). Era 10:00 da manhã e a sala já estava cheia. Falamos sobre nomadismo, ou seja, a experiência de se relacionar, morar e trabalhar em estado de fluxo.
A surpresa não foi a quantidade de interessados. Mas sim, o “perfil da turma”. Havia senhores e senhoras de idade, novinhas e novinhos e uma galera ali entre os 30 e 40 anos. Se houvesse mais famílias, poderia jurar que seria o mesmo público do Rock in Rio, aquela coisa pós-demográfico e transversal para todas as idades. Na hora das perguntas, a maioria veio da ala da maior idade. “Mas como vcs fazem com plano de saúde?”. “E como faço com meus netos, morro de saudades deles!”. “Como vcs guardavam suas coisas num storage?”.
Foi lindo poder se conectar e trocar experiências com uma galera tão interessante e interessada.
A Arte Imita a Vida
Entre a plateia, havia um senhor empolgado que no final veio direto até mim e disse: “tenho um presente pra você, me encontra na minha palestra que eu te entrego lá”. Fui apresentado pelo seu sobrinho, Ralph, um dos sócios do Hack Town . “Este é meu tio, Antônio Peticov”. Para tudo. Antônio Peticov, artista plástico, visionário, antropofágico e tropicalista, aquele do livro da Rita Lee? Puta merda! Isso, sim, é surpresa!
Mutantes, Artistas e Festivaleiros
A palestra do Antônio Peticov foi um dos pontos alto do festival. Como era de se esperar, o artista falou para uma sala lotada, uma das maiores do festival.
Foi um papo cheio de histórias, causos da música brasileira, curiosidades íntimas sobre nomes que a gente só lê em livros – e algumas que não cabem nem neste post. Inesquecível escutar a história de quando ele se juntou a uma tal de Rita Lee Jones e dois irmãos Batista pra criar os Mutantes.
Ao final, fui presenteado com um pôster de um festival de 1969 que o Peticov produziria no Brasil (obs: mesmo ano do Woodstock, ok?). No line, Mutantes, Gal Costa e Tim Maia (lá no finalzinho da programação…). Que presente!!
A Noite Que Fomos Convidados a Nos Retirar do Coreto
Santa Rita do Sapucaí é uma típica cidade do interior. Tem uma pracinha no centro da cidade, com um coreto e uma igreja, onde a molecada da cidade se reúne a noite vigiada pelos olhos vigilantes dos anciões da cidade.
Na noite anterior, Maurício Soares, diretor de marketing da Plus Talent, responsável por trazer o Tomorrowland Brasil e meu amigo de fé, irmão, camarada, comentou comigo passando ali: “Bem que a gente podia largar a mão num techno aí nesse coreto, né?”.
Como “fazer > dizer”, pela noite, a festa tava pronta. A produção do festival consegui uma autorização com o prefeito e o som começou a rolar. A meninada da cidade ficou desconfiada, mas começou a chegar perto. De repente, aconteceu aquela cena que vi milhares de vezes, mas nunca canso: a magia da pista enchendo. O coreto virou camarote e tudo em volta era sorrisos e gente dançando, bebendo, se divertindo.
Hackeamos o Hack Town!
A festa só foi parar de madrugada, quando todos – devidamente animados (e sem noção) – começamos a gritar e “perturbar os bons costumes da cidade”. A polícia chegou, armas na mão pra intimidar. Funcionou. Já havíamos passado do limite. Mas valeu pela história. Imagino daqui a alguns anos, o festival bombado, relembrando esta história em seus painéis de retrospectiva…
Desafios Para o Futuro
Adoro o Hacktown porque ele não tem pretensão. As palestras acontecem nos bares, escolas e auditórios municipais da cidade. A cidade participa, são dezenas de voluntários, a sociedade se engaja.
Contudo, esse aspecto autêntico, intencionalmente amador, precisa ser revisado. A medida que os anos passam, novos públicos chegam e muitos não entendem essa vibe roots do evento. Isso não chega a ser um problema. Problema mesmo é a escolha de algumas palestras e palestrantes. Alguns precisavam de mais preparo (o que é um consenso em todos os eventos deste tipo no Brasil). Cheguei a ver uma palestra com muitas não-verdades sendo ditas.
Hoje os festivais de inovação acabam por cobrir uma lacuna que a educação formal não consegue atender. Por isso mesmo, mais que nunca, a curadoria precisa não apenas escolher nomes relevantes, como trabalhar junto aos palestrantes, revisando suas apresentações, dando feedbacks e zelando pelo conteúdo. Afinal, é isso que todos estão lá prioritariamente pra ver.
Ajustando arestas, este é um festival que ainda tem muito potencial pra crescer. Não quantitativamente, mas qualitativamente.
Até 2018, HackTown. Parabéns por mais um belo ano!