Conheci o Sónar em 2002, assistindo a um programa que o Multishow fez sobre o festival. Tive a sorte de ir em todas as suas edições no Brasil (2004, 2012 e 2015) e também três vezes em sua terra natal, Barcelona (2007, 2013 e 2014). É meu festival favorito e volto nele tantas vezes quanto puder.
Dito isso, começo este review me sentindo um tanto bipolar. Por um lado, fico feliz pela volta do Sónar ao Brasil, apesar do formato reduzido (coerente com um cenário de economia em recessão e dólar em alta). Por outro lado, dada a sua herança histórica – e minhas memórias em outras edições – confesso que saí no sábado do Espaço das Américas, local onde aconteceu o Sónar Club, um tanto cabisbaixo.
Não vou escrever aqui sobre as atrações musicais do Sónar SP. Além dos sensatos reviews da Veja e do Uol, publicaremos aqui no Pulso o review que o Rodrigo Rodriguez fez especificamente sobre esse assunto.
Fazendo jus ao nosso lema – vá além da música – abaixo segue uma análise sobre o novo formato do Sónar e seus desafios futuros.
Sónar Cinema e Sónar +D: Boa Intenção, Pouco Engajamento
Como escrevi há algum tempo por aqui, apesar do line-up não ter sido bem recebido à época de seu anúncio, uma das felizes surpresas desta edição era o Sónar Cinema, uma mostra de filmes no MIS, e o Sónar+D, uma conferência voltada à indústria tecnológica, criativa e artística.
Ao longo da semana passada estive em ambos os espaços e posso afirmar que embora a intenção tenha sido boa, infelizmente não notei um grande engajamento ou participação nestas atividades (mesmo ambas sendo gratuitas).
Precisamos Falar Sobre Sónar Cinema
Na quinta-feira passada (26/11), fui ao Sónar Cinema conferir a mostra do diretor holandês Frank Scheffer. Assisti a 2 dos 3 filmes do dia e não havia mais que 15 pessoas em cada sessão.
Na saída do MIS, fui abordado por uma pesquisadora que trabalhava para o festival e procurei saber dela se todas as sessões estavam assim, “vazias”. Ela confirmou. Nada lotara as salas até então. Encontrei uma conhecida antes da primeira sessão – Brian Eno: Music For Airports – e bati um papo com duas irmãs que também estavam lá para assistir ao filme. Em comum, todas estavam lá curiosas pra conhecer a obra do autor – e todas foram embora antes do filme terminar. Provavelmente pelo aspecto experimental da obra: 50 minutos de video fora de foco passadas em diferentes locações de um aeroporto, somente com a trilha de Brian Eno ao fundo, guiando as imagens do álbum que cunhou o termo ambient music.
Assisti em seguida ao doc How To Get Out of The Cage, um dos últimos filmes de Scheffer, que é um recorte de entrevistas realizadas durante 10 anos de convivência com John Cage, compositor responsável por introduzir no ocidente o minimalismo oriental em obras intrincadas e carregadas de simbolismo. Foi fantástico! Desta vez, “todos” nós – 13 pessoas – ficamos até o final. A edição do filme seguia padrões mais previsíveis – como o próprio diretor afirmou em entrevista: “quis produzir um documentário informativo e de apelo para a grande audiência”. #temquever
Sobre o Sónar Cinema, a impressão que tive era a de que a mostra falou apenas com as pessoas que estavam passeando pelo MIS ou “cinéfilos hardcore”. A associação com o festival Sónar estava em segundo plano. Fica a sugestão de trazerem próximas edições uma maior variedade de filmes, sobretudo de cineastas nacionais. Nada contra o diretor Holandês, mas no momento em que o Sónar tenta refazer sua história no Brasil, especialmente agora em que vivemos um boom de novas produções nacionais independentes, porque não dar mais espaço a cineastas nacionais?
Outra dica (e pedido): a mostra de filmes poderia rolar em dias e horários de maior apelo ao grande público. As sessões aconteciam ao longo da tarde em dias da semana. Porque não exibições em horários pela noite e/ou nos finais de semana?
Sónar+D: Smell Like Teen Spirit
Na sexta e sábado estive na Red Bull Station para conferir o Sónar+D e curti bastante tudo que vi. Havia ali uma novidade, um quê de smell like teen spirit, uma efervescência criativa prestes a explodir.
A RB Station é um pico incrível, mas um tanto fora de mão. A ex-estação de energia fica entre uma avenida e um terminal de ônibus. Talvez por isso, e/ou pela sua 1ª edição no Brasil, também esperava encontrar um público maior (embora o número de participantes foi bem mais expressivo que no Sónar Cinema).
O Sónar+D era uma mistura de palestras, workshops e exposição, com destaque para a surreal e futurista Área 91, do fotógrafo carioca Thales Leite, sobre as “espaçonaves” que compoem as aparelhagens de som do tecnobrega Paraense.
Outro destaque foi o Maker Lab, um espaço que reunia impressoras 3D, arduínos, soldas e artistas de todos os tipos que convocaram uma comunidade de criadores para aprenderem e trocarem conhecimentos. Tudo com a mão na massa, claro.
Foi emocionante conversar com as pessoas ali, que falavam com paixão sobre suas histórias como “fazedores”, muitas vezes influenciadas por suas famílias ou incentivados por amigos. Me diverti fazendo parte daqula comunidade maker, um grupo de pessoas altamente engajadas, interessantes e criativas.
Fique com a impressão de que a maioria das pessoas que estavam ali não foram pelo Sónar, mas sim, porque são carentes de mais movimentos como estes, que reunam seus pares e onde possam mostrar e discutir seus trabalhos.
Ponto positvo pro Sónar, que tem espaço para consolidar o +D e ainda se tornar um festival referência também no Brasil em dois dos seus pilares principais: arte e tecnologia. Parabéns também pelos trabalhos do Estúdio Arnold, coletivo de artistas e designers responsáveis pela cenografia do Maker Lab.
Sónar Club: Herança Não Se Esquece
O Sónar Club pode ter sido a melhor festa da vida de muitas das pessoas que estiveram no Espaço das Américas neste sábado (28/11). E provavelmente foi.
O show do Chemical Brothers foi perfeito. Ao lado da pirâmide de led do Daft Punk (2006) e da apresentação do Kraftwerk 3D (2012), fecha meu top 3 dos shows mais impressionantes de música eletrônica que já assisti. Mas… prometi que não falaria de música. 😉
Para o Pulso, entrevistamos dezenas de pessoas ao longo do festival. E foi grande a comparação com a edição de 2012, que reuniu o melhor e mais respeitado line-up de música avançada já visto no país. E aí que mora o xis da questão: herança – ainda mais quando é boa – não se esquece.
Embora a curadoria tenha sido certeira na escolha das atrações, que refletem uma pequena fração do que há de mais contemporâneo na música eletrônica (Evian Christ e Brodinski), com pitadas de indie pop (Hot Chip), club sounds (Valesuchi, Zopelar e Pional) e um grande headliner (Chemical Brothers), ainda assim a memória de quem já conhecia o festival – maioria do público presente no Sónar Club – não deixou de notar a quantidade reduzida de atrações em comparação com suas outras edições.
O Sónar é uma referência em festivais por acertar como poucos em seu line-up. Ele é o festival da soma dos nichos, traduz perfeitamente em sua curadoria a cauda longa do espírito do tempo, reunindo uma quantidade inacreditável de atrações inesperadas, surpreendentes e de altíssima qualidade em um mesmo espaço-tempo. E isso, infelizmente, não foi entregue nesta edição.
A maioria das pessoas estava lá para assistir ao show do Chemical Brothers. O que fez com que o festival ficasse com uma cara de baladão, com uma única pista, que funcionou em sua plenitude somente quando aconteceram os shows.
É importante elogiar a decisão ousada porém correta de colocar o produtor brasileiro Zopelar entre o Chemical Brothers e o Hot Chip. Sinal de que a cena eletrônica nacional anda muito bem, obrigado. Parabéns à programação artística do festival.
Balanço Final: Otimismo e Visão de Futuro
Um festival pressupõe pluralidade. Embora o Sónar São Paulo 2015 entregasse esta experiência em seu novo formato – com as edições Cinema, Club e +D – a impressão que fiquei foi a de pequenas audiências fragmentadas, pautadas por interesses distintos, do que aquela convergência coletiva e efervescente que se vê em festivais que acontecem num mesmo espaço e tempo como o Lollapalooza, Tomorrowland ou mesmo o Rock in Rio.
Talvez a organização do Sónar SP precise reavaliar mais uma vez seu formato, buscando uma maior integração entre seus espaços e atividades, como acontece em sua edição de Barcelona e em outros festivais urbanos e de inovação (como o Mutek, SXSW e ADE).
É importante deixar claro que o Sónar existe há 21 anos e é um dos mais consistentes festivais itinerantes do mundo. Sua essência permanece fiel à sua origem e a marca vem se adaptando e evoluindo a cada ano, algo raro em dias de transformações aceleradas e disrupções tecnológicas (leia mais aqui: Reflexões Sobre Sónar, Burning Man e SXSW).
Enxergo um futuro promissor ao festival, que precisa encontrar um (difícil) equilíbrio entre formato, receitas e despesas, sem abrir mão dos valores que tornam o Sónar o festival relevante que é.
Independente dos erros, sou otimista quanto ao seu futuro no Brasil. Um caminho interessante, especialmente em tempos de alta de dólar, seria buscar uma maior comunicação com nossos hermanos na América Latina. Argentina, Chile e Colômbia recebem também o festival neste ano – alguns com line-ups mais diversos e com muitos novos nomes locais – como a incrível chilena Valesuchi.
O caminho futuro do Sónar passa pela integração. Que venga sua próxima edição.