Na Holanda, ser considerado o festival mais inovador do país não é tarefa fácil. Música eletrônica e festivais fazem parte das tradições locais por diversas gerações, e nomes como Awakenings, Pitch, Dekmantel, ADE e Lowlands são apenas alguns dos festivais mais conhecidos da terra das tulipas onde – diz-se – acontecem por volta de 10 festivais por final de semana durante o verão.
O TodaysArt foge um pouco – ou bastante – do formato clássico dos festivais supracitados, principalmente porque antes de ser um festival de música é um festival de arte contemporânea focado na experimentação, nas relações entre arte, tecnologia e sociedade, e feito sem medo do fracasso.
No último final de semana de Setembro, a décima primeira edição holandesa do festival – que também realiza projetos em países como Japão, Russia, México e India, e que tem planos de aportar em Detroit e no Rio de Janeiro em um futuro próximo – aconteceu na cidade de Den Haag, em duas locações: O Pier de Scheveningen e a Electriciteitsfabriek.
A ideia original era poder concentrar todas as atividades no Píer, realizando as aspirações do movimento de arte radical ZERO, que planejou um grande evento no mesmo pier exatamente 50 anos antes. Porém, devido a dificuldades técnicas, a estreia mundial do novo programa ‘4DSOUND: Circadian’ teve que ser transferida para um novo local, e um espaço dentro da usina que ainda hoje gera energia para a cidade Den Haag e parte de Rotterdam – parece ter sido a escolha ideal. Sim, o espaço é ótimo, a estética da fábrica chama atenção, mas o programa 4DSOUND que aconteceu non-stop entre quinta e domingo pareceu um programa à parte.
Ainda assim, na Electriciteitsfabriek, o 4DSOUND foi um sucesso. Dando o pontapé de partida no festival na quinta-feira, com a performance ‘NUE’ da artista coreana-americana Lisa Park e com programas de meditação experimental do projeto NOQTURNL de John Connel e Florence To onde 70 pessoas por noite dormiram entre as torres do soundsystem, era possível sentir o quão extasiada estava a audiência após cada sessão. Ainda que o foco principal tenha sido a estreia mundial do novo programa ‘4DSOUND: Circadian’, o ponto alto do programa ficou para o domingo com Cassegrain e Oscar Mulero apresentando seus acts do anterior ‘4DSOUND: Techno is Space’.
A abertura oficial do festival aconteceu na sexta-feira com a famosa performance ‘Speaker Swinging’ de Gordon Monohan, realizada há alguns passos do Pier, no Grand Hotel Kurhaus. Depois da abertura, os convidados se dirigiram para a plataforma vazia, onde a European Space Agency (uma espécie de NASA europeia) realizou uma contagem regressiva que, no Zero, iniciou a simulação de lançamento de um foguete através de som, luzes e fumaça. Pronto, o festival tinha acabado de começar oficialmente.
Durante os dias, o Pier recebeu mais de 30 mil visitantes com perfis bastante heterogêneos: de hipsters vindos da Academia Real de Belas Artes a membros da comunidade de surf local, de amantes de arte contemporânea com diferentes sotaques até casais octogenários e famílias que passavam pela orla num belo fim de semana de sol e, curiosos, que resolviam entrar pra entender o que estava acontecendo. Diversas instalações e performances despertavam a atenção do público e as minhas cinco preferidas você pode conferir abaixo:
EUNOIA II de Lisa Park
Em um de seus trabalhos mais conhecidos, Lisa Park traduz estados mentais em forma de som e movimento. Os visitantes utilizam sensores de ondas cerebrais e são estimulados a focar em diversos estados mentais, como relaxamento e concentração. Um computador capta essas ondas e traduz em som e movimento.
View this post on InstagramEunoia by @thelisapark #depier #todaysart2015 #lisapark #pierscheveningen #zeroonsea #todaysart
A post shared by TodaysArt (@todaysart) on
RESONATE por DE NAAKTE ONTWERPERS
Resonate propicia uma forma diferente de experiência musical. Um colete com 10 auto-falantes que transmitem diferentes frequências de uma track e conectam a frequência do seu corpo com as vibrações musicais. Uma experiência única.
IMAGINARIUM OF TEARS – MAURICE MIKKERS
Maurice Mikkers faz as pessoas chorarem e com uma gota de lágrima, tira uma fotografia microscópica e mostra a diferença entre as lágrimas por diferentes estímulos. Numa série extra, fotografias microscópicas mostram a beleza das partículas de diversas substâncias, inclusive LSD e MDMA
LED SURFERS + WAVEFRONT ZERO
A combinação de ‘Wavefront Zero’ de Vladimir Grafov com Led Surfers do Surf Lab Scheveningen trouxe muitos efeitos visuais para as águas de Scheveningen. Grafov criou um efeito que definia através de uma luz florescente a linha das ondas, enquanto os surfistas locais usaram luz LED para uma sessão noturna.
STAALPLAAT SOUNDSYSTEM – ZEERO
Um enorme instrumento musical feito com tubos de metal de 24m de comprimento e 1,2m de diâmetro fazia sons graves estimulados por compressores de gás usados em balões. Precisa dizer mais?
MÚSICA:
Como nas edições anteriores, o programa musical do TodaysArt prezou pelo experimentalismo e pela mescla de estilos, o que não necessariamente trouxe resultados completamente positivos. Na sexta-feira, a programação noturna começou com Yobkiss e os japoneses do Group A. Enquanto eu brincava no Open DJ booth e tentava resolver alguns problemas técnicos, ouvia que as pessoas estavam intrigadas tanto pelo experimentalismo do som quanto pelo top-less das meninas do Group A. Na pista principal, localizada no nível -1 da ilha sul do Pier, a polonesa Zamilska trouxe peso pros amantes do techno, um dos pontos altos por Rrose e pela ‘techno legend’ Ellen Allien. Na segunda pista a noite ficou por conta do 22tracks e, em seguida um act de encerramento com um inusitado back to back entre o produtor Torus e o queer rapper Zebra Katz.
No sábado, a programação musical começou cedo. Em uma pista outdoor sobre o deck principal do Pier, uma parceria com o club underground local PIP proporcionou uma tarde de house e techno, onde Auntie Flo, Session Victim, I-F e Young Marco (um dos nomes de mais sucesso no Dekmantel) embailaram a enrolarada tarde no início de outono holandês.
A programação do club começou com mudanças de horário das performances de Lorenzo Senni e Loscil, para que o público pudesse acompanhar ambos, o que acabou confundindo mais do que ajudando. Abrindo a pista principal, Lotic fez uma apresentação incrível repletas de texturas e efeitos visuais, precedendo Prefuse73, que apresentava seu novo album pela primeira vez, mas não chegou a empolgar o público com sua psicodelia experimental. Na sequência, o angolano/português DJ Nigga Fox foi muito elogiado por trazer afrobeats pra pista, enquanto Suicideyear encerrou a noite com seu hip hop experimental.
Na pista de cima, Ketev abriu a noite sucedido por Low Jack, apresentações que não acompanhei, mas o live act de techno acima dos 130BPM de Cassegrain e Tin Man me fez nem pensar em descer pra ver como estava indo a apresentação do Prefuse73. Acronym e Regis encerraram a noite. Vale ressaltar no sábado o clima super desconraído do Open Booth na área comum do Pier, onde qualquer um com música e coragem podia chegar e se apresentar.
O TodaysArt.NL 2015 foi uma experiência e tanto, principalmente pra mim que me mudei pra Den Haag há 6 meses exclusivamente pra trabalhar na organização do festival. Alguns detalhes precisam ser acertados para a próxima edição, especialmente no que se refere ao programa musical que, em minha opinião precisa ter espaços e/ou horários diferentes que separem atrações experimentais de DJs ou live acts voltados para a pista de dança. No mais, só tenho a agradecer pela oportunidade e pelo aprendizado, pelos amigos e pelas histórias que esse verão europeu de 2015 deixaram marcados em mim.
Mais infos: www.todaysart.nl
*Felipe Tiradentes é publicitário e produtor cultural, cursa o mestrado em Gestão de Artes e Políticas Culturais na Universidade de Maastricht, na Holanda. Atua na organização do TodaysArts.