“A primeira vez é a que fica”. Em parte, o ditado é verdadeiro. Pense em alguns artistas e em seus primeiros álbuns: The XX, Disclosure, Hot Chip, SBTRKT… Nenhum destes conseguiu superar aquilo que a indústria da música nomeia de a maldição do segundo álbum. Não é a regra, claro. Mas acontece. E a 2ª edição do Tomorrowland Brasil não foi diferente.
Não que o festival tenha sido ruim. Muito pelo contrário. A produção atuou de forma impecável ao solucionar algumas dos problemas que mais prejudicaram a edição passada: o acesso de entrada e saída da Fazenda Maeda foi tranquilo, com pouco congestionamento, boa sinalização e staff bem preparado. Quase não escutei ou li nada nas redes sociais sobre furtos. O serviço dos bares e alimentação estava confortável, graças ao novo sistema cashless, que permitia comprar bebidas e comidas pela pulseira que funcionava como um cartão de débito.
Imagem: Tomorrowland Brasil
Infelizmente, foi justamente na inovação do sistema cashless que a produção do festival teve talvez a sua maior dor de cabeça. No primeiro dia, por volta das 16h, os convidados da área VIP (Comfort) tiveram que esperar pelo menos 2 horas para entrar no festival por conta de um problema com as pulseiras. Eu estava entre eles, assim como convidados dos patrocinadores e alguns outros profissionais da indústria.
Vale explicar: inovação tecnológica dá nisso. Quem nunca ficou chateado de baixar a primeira versão de um sistema operacional ou comprar um gadget da mais nova geração só pra descobrir depois que a maioria dos softwares ainda encontram-se incompatíveis? Coisas de early adopters.
O Tomorrowland buscou trazer as recompensar nas surpresas musicais: o palco Warung, um dos mais disputados do primeiro dia, encerrou-se pelo menos 1 hora mais tarde que o previsto. No segundo dia, foi a vez de um back 2 back histórico entre os holandeses Armin van Bureen, Sunnery James & Ryan Marciano e W&W esticar o fim do Main Stage. E DJs como David Guetta e Laidback Luke fizeram merecidas homenagens em seus sets ao astro da música pop Prince, falecido na última quinta-feira (21), aos 57 anos.
https://www.youtube.com/watch?v=gmYOrYXHpoc
Ainda assim, num balanço geral, a sensação que ficou foi a falta daquele “efeito WOW” de quem esteve pela primeira vez o festival.
Menos Presença de Marcas, Mais Ações Inteligentes
As ativações dos patrocinadores foram mais tímidas nesta edição. Não estavam presentes neste ano Doritos e Absolut. A “pool party”, que ano passado ficou restrita aos portadores de um cartão de crédito, este ano foi democratizada pelo energético Fusion e se tornou a “nova pista do festival”, aberta para todo o público.
Imagem: Fusion
A Skol, principal patrocinador do festival, foi naturalmente a marca que mais se destacou. Skol Beats Mystical Factory, o imponente bar localizado próximo à praça de alimentação do Main Stage, apresentou um terraço mais aberto e convidativo que em 2015.
A Skol também apresentou ações inteligentes e mais pertinentes com a proposta do festival: com destaque a distribuição de cartazes em que o público podia escrever recados – visivelmente mirando os famosos aftermovies do festival – ou a degustação das inéditas versões frozen de Skol Senses e Spirit – altamente convidativas no calor médio de 32 graus que rolava no local.
Imagem: Tomorrowland Brasil
Por fim, obrigatoriamente discreta em presença de marca, a companhia de cigarros Souza Cruz ofereceu aos visitantes de seu stand um simulador de queda livre. A experiência chamou a atenção do público, tanto pelo ineditismo, quanto pelo volume sonoro da brincadeira (o ruído chegava quase a 100 decibéis, o limite para uma ação deste tipo).
Experiência Musical: Museu de Grandes Novidades
No quesito música (+ tarde um review exclusivo sobre este assunto), a falta de novidades foi evidente.
O Thump, canal de música eletrônica do portal Vice, escreveu um excelente post a respeito leia aqui. No artigo, os números comprovam a percepção:
- 43% do lineup do Tomorrowland Brasil de 2016 foi igual ao do ano passado.
- Em 2015, o festival apresentou um palco a mais que em 2016. Foram 168 atrações ano passado contra 133 nesta edição (alguns artistas, como o brasileiros Alok, tocaram 3 vezes durante o festival).
- Quanto às “Mulheres no Line-up”, um dos assuntos mais contemporâneos em programação artística em festivais, o evento deu o seu maior fail: entre as 133 atrações deste ano, apenas 9 eram mulheres (sendo 3 destas integrantes de projetos divididos com homens). As Djs Samhara, Anna e Mary Olivetti tocaram em horários “tranquilos e não-favoráveis”: a primeira abriu o Main Stage de sexta às 13h, enquanto Anna e Mary Olivetti tocaram ambas no sábado às 14:30 nas pistas Dyinamic e Fusion The Pool, respectivamente.
Imagem: Renan Olivetti
A diversidade de gêneros musicais esteve presente no Tomorrowland: trap, EDM, techno, house, progressive, minimal, hardstyle, drum’nbass… Até o psytrance marcou presença no palco XXXPerience, um dos maiores acertos do festival, na merecida homenagem aos 20 anos do núcleo open air (confesso que voltar a escutar “Cities of The Future” com Infected Mushroom encerrando o palco foi talvez o momento que mais me emocionou nesta edição do Tomorrowland).
Imagem: Renan Olivetti
Porém, em meio a tantas repetições de hits previsíveis tocados no Main Stage, fez falta entre os stages alternativos alguns nomes nacionais representantes da Bass Music como Omulu, Mauro TelefunkSoul, Bruno Belluomini e Marginal Men ou mesmo outros da não-tão-velha-guarda do techno como Renato Cohen, Anderson Noise, Murphy e Mau Mau.
Saldo Final
É fato: o Tomorrowland entregou, novamente, um festival incrível. Os problemas observados acontecem também em qualquer festival de primeiro mundo. A transmissão do Multishow ajudou a apresenta-lo para mais pessoas e tudo indica que a 3ª edição do festival promete ser ainda mais popular que as duas primeiras.
Imagem: Multishow
Os ingressos não venderam em sua totalidade. Consequência direta do difícil momento econômico do país, o que justifica, também, a reduzida quantidade de atrações e de patrocinadores em comparação com 2015.
Apesar de todas as adversidades, o festival ficou marcado pela eficácia operacional em comparação à sua primeira edição, melhorando sensivelmente seus serviços (inclusive e especialmente o acesso e saída do festival), sem deixar de comprometer sua “magia”, mais uma vez estampada na melhor cenografia já vista em um festival de música eletrônica no Brasil.
Imagens: Tomorrowland Brasil
Pensar na complexidade de realização de um festival deste porte, no meio de uma fazenda no interior de São Paulo, considerando fatores externos contrários ao fluxo de caixa da produção, é mais que o suficiente para qualquer um com o mínimo de conhecimento sobre este mercado ser obrigado a tirar o chapéu e bater palmas para o competente staff do Tomorrowland Brasil.
Se não existe segunda chance de causar uma boa primeira impressão, torço para que a 3ª edição do festival volte a surpreender novamente.
A magia continua.
Imagem: Renan Olivetti