Com a chegada do tão esperado verão europeu, começamos a nossa já tradicional maratona de festivais de música pelo velho mundo. Este ano, após marcar presença no Primavera Sound e Sónar, queríamos estrear algo diferente e fora do circuito… A proposta do Into The Valley, na Estônia, nos agradou bastante desde o princípio. Um lugar idílico com um line-up do jeito que a gente gosta.
Pronto, decidido! Fácil assim… Após garantir ingressos, passagens aéreas, ônibus ida e volta ao festival e hospedagem, só a previsão do tempo não era muito animadora, mas nada que pudesse tirar nossa vontade de dançar no verão em uma das regiões mais frias do planeta!
Um dos motivos mais atraentes era o impressionante lugar. Antes celebrado na Suécia, o festival estava estreando uma nova localização, um antigo ‘gulag’, prisão soviética dos anos 40, abandonada quando a Estônia recuperou a sua independência em 1991.
Entre dunas, um bonito lago e os muros da prisão, tínhamos sempre algo à vista para nos surpreender. E por causa do verão, o céu ficava a noite inteira com aquela luz maravilhosa de anoitecer (ou será de amanhecer?).
Com uma vibe muito bacana e um clima de festival pequeno, apesar dos perrengues, a experiência foi gratificante. Fizemos várias amizades durante o festival, e a lista só foi alargando com a proximidade e empatia do público presente!
1º Dia: Localização Impressionante x Confusão no Shuttle
Começamos o primeiro dia com muita animação e empolgados em conhecer o lugar da festa! Mas, ao chegar ao ponto de encontro de onde sairiam os ônibus de Tallin para o festival (longos 65 km de distância), percebemos que não tinha nenhum aviso, ninguém da produção, nenhuma fila, só um aglomerado de pessoas com suas mochilas e coisas de camping.
Depois de 30 minutos de atraso, chega o primeiro ônibus. Por culpa da demora, as pessoas já estavam indignadas e com pressa… agora imaginem todos os presentes querendo entrar no ônibus ao mesmo tempo. Sem ordem nenhuma, sem ninguém para conferir os bilhetes, sem nenhum controle, nem nada.
Após desistir de entrar no meio da confusão e resolver esperar, ficamos de fora do 1º e 2º ônibus, e só ficamos mais sossegados quando alguém avisou que ainda tínhamos uma chance, já que seriam três ônibus por horário de saída. Decidimos esperar mais 30 minutos para conseguir entrar e sentar mais tranquilos e assim partimos rumo a Rummu Quary.
Chegando ao local nada melhor que fazer uma volta de reconhecimento e passar nos 2 palcos abertos neste primeiro dia de festival, The Yard e The Beach. The Beach que era a pista com o visual mais bonito, onde o DJ ficava em uma plataforma que flutuava nas águas do lago, com projeção em uma parede de uma construção que estava metade pra dentro da água. Chegamos ao som de Antal, perfeito para aquecer os motores e entrar no clima. No meio do set do holandês resolvemos dar uma chance e ir conhecer a outra pista aberta.
Ao chegar no The Yard, encontramos uma pista menor e um soundsystem melhor, perfeitos para a ocasião. A pista, formada por sacos de areia que lembravam barricadas de guerra, tinha nomes como Anthea, Cassy e Dyed Soundorom preparadas para colocar todo mundo para dançar, tocando techno sério do início ao fim da noite, do jeito que a gente gosta! Enquanto isso, Black Madonna (sendo Black Madonna com muita Disco e BPM baixo), estava fechando o The Beach.
Para nossa surpresa, às 3:30 da manhã, estávamos no The Yard e o som parou repentinamente! O que aconteceu ninguém sabia dizer. No dia seguinte fomos informados que por falta de segurança (a produção não tinha contratado), a polícia pediu pra terminar o evento mais cedo, e sem saber muito bem o que fazer, saímos para pegar o maldito ônibus… E para voltar, a coisa foi muito pior do que esperávamos! Ao chegar ao lugar de partida, a quantidade de pessoas era muito maior do que na ida, e claro, com toda a confusão, percebemos que ficaríamos sem ônibus novamente! Tivemos que correr e se espremer para entrar no segundo ônibus, uma tristeza.
As redes sociais já estavam bombando de reclamações, com vários posts de pessoas que ficaram sem ônibus e sendo obrigados a pagar uma média de 60€ por um táxi! Parece que a produção não estava muito preocupada com isso, pois a situação se repetiu diariamente para a insatisfação geral dos presentes.
2º dia: Muita Chuva x Péssima Produção
Depois de passar exatamente pelas mesmas dificuldades do 1º dia, conseguimos entrar no segundo ônibus que, por sorte, parou exatamente onde estávamos esperando. Na longa viagem até o festival conhecemos um sueco que esteve presente nas duas primeiras edições do festival e nos disse que a produção era sempre assim, desorganizada!
Ao chegar, mais surpresas ruins, ficamos sabendo que a montagem do palco The Mountain estava atrasada. E que um teste de som no palco The Warehouse tinha causado rachaduras no teto e o local não estava mais seguro (fala sério!!!), por isso não tinham previsão de abertura.
Ainda sem poder contar com dois dos quatro palcos previstos, o problema se tornou o line-up! A pergunta do milhão era: onde tocariam os DJs que queríamos ver, já que só 2 palcos estavam abertos? E essa pergunta ficou sem resposta. A única informação dada pela produção era que as lendas Jeff Mills e Marcel Dettmann, que deveriam tocar no The Warehouse, tocariam no The Beach. Pelo menos isso…
No The Yard, debaixo de uma chuva que molhava até a alma, escutamos essa sequência de sonzera: Answer Code Request, Bjarki e Function. E no meio disso tudo, Recondite estava tocando na praia, entre toda a natureza do local, surpreendentemente fez um live act totalmente dançante e melódico, com tracks cheias de vocais, coisa rara de se ver, e que na minha humilde opinião, foi o set da noite. Como sempre é bom escutar Jeff Mills, descemos para a ‘praia’. Depois dançamos ao som de Marcel Dettmann para esquecer da chuva e lavar a alma. No caminho para pegar o ônibus, não resistimos e paramos para ver Dana Rush que ajudava a esquentar, pois estávamos congelando.
Uma constatação óbvia, mas não o suficiente para que a produção tomasse alguma atitude, era a que faltavam locais com cobertura, já que a chuva estava prevista há várias semanas. Sem esquecer da cerveja, que estava quente pelo medo de curto-circuito por parte dos organizadores, com a chuva que estava caindo desligaram todas as geladeiras… só rindo para não chorar!
Com a péssima produção, chegamos à conclusão que o festival parecia uma rave dos anos 90 quando não tínhamos ideia do que era uma boa estrutura e éramos capazes de nos satisfazer com qualquer coisa.
Voltamos de táxi, pois já estávamos conscientes de que era simplesmente impossível pegar o ônibus e com todo o cansaço, a última coisa que queríamos é brigar para entrar em um… 70€ felizmente divididos em 4 pessoas.
3º dia: Tudo Funcionando x Line-up 10!
Após dois dias intensos de festa e muita música boa, finalmente recebemos a notícia através dos feeds do evento que o palco The Mountain estaria funcionando normalmente (aleluia!) e o The Warehouse tinha virado The Dome, oh yeah! Finalmente teríamos os 4 palcos prometidos originalmente para curtir o último e derradeiro dia. Juntamos as forças, comemos bem antes de sair de casa, e hora de partir para a festa.
Com 45 minutos de atraso nos ônibus, que já tinham se tornado a novela nossa de cada dia, decidimos pegar um Uber, bem menos salgado que a opção táxi (23€). A lama já na altura da canela nem incomodava mais, só por não estar chovendo já era um grande alívio.
Ao chegar e constatar que pela primeira vez as cervejas finalmente estavam geladas, o que foi motivo de comemoração para os brasileiros, finalmente fomos conhecer a pista The Mountain, com um design supermoderno, desenhada em camadas triangulares, feita em madeira e aço, muito bacana. Ali escutamos os primeiros beats do dia ao som de Scuba b2b George Fitzgerald, techno feliz e tranquilo, nada mal para começar o dia de bom grado. 20 minutos por ali foram bastante para atiçar a curiosidade de conhecer o 4º e último palco, agora chamado de The Dome. Foi uma grande surpresa chegar ali e ver um palco à la MadMax, uma cúpula toda feita de hexágonos metálicos, não muito grande, mas estava perfeita para receber mais tarde uma sequência que vai ser difícil de esquecer, foi ela: ø[Phase], Rodhad e Regis, que pedrada meu amigo, foi insano. Techno industrial da melhor qualidade.
Mas vale lembrar que entre um palco e outro ficamos um tempo na praia e surpreendentemente, pois não havia nunca visto, a Jennifer Cardini colocava a pista abaixo com seu techno futurístico, bonito de dançar, momento que ficou na memória. Já de dia e resistido a sequencia destruidora do The Dome, fomos para o The Beach, pois pelo timetable oficial da festa teria sido o único lugar com música, só que não. Chegamos e encontramos nossos amigos e os novos amigos que fizemos ao longo desses três dias. Por ali vimos o final do set de 4 horas do mestre sueco Axel Boman, que viajando entre o house, techno e disco, colocou todo mundo para dançar com sua levada espacial!
Já que não restavam outras opções, por ali ficamos aguardando o próximo DJ entrar, junto com todos os amigos do festival para aquele último baile para lavar a alma, só que não foi como esperávamos… Todos sem exceção, depois de lama, chuva, dias sem noite, cerveja quente, frio, esperávamos um som potente, sem se importar muito com o estilo!
Queríamos apenas celebrar dançando mais um festival em terras longínquas e qualquer música que fosse minimamente dançante faria nossa cabeça. Mas, para surpresa geral, entrou a desconhecida DJ Janina, com um BPM lá embaixo puxado por um minimal sem grave e que não empolgava! Apesar da decepção, esperamos mais um pouco já que era a única opção possível no momento. A frustração tomou conta da pista e era possível ver muita gente já sentada, sem ânimo para quebrar tudo até o momento da partida.
O jeito era fazer um tempo e esperar Fernando Costantini e Francesco del Garda, que entraram seguindo a mesma linha de minimal anterior, sem empolgar e assim acabamos duplamente decepcionados… até descobrir que o novo palco, The Dome, ainda estava rolando para alegria geral da nação! Imediatamente nos movemos até lá, e mesmo sem saber quem tocava ou que horas iria terminar, para nos jogar nas melodias obscuras que estavam rolando por lá!
Esse final inesperado, mas emocionante, deu uma nova força aos presentes e apesar do pequeno público, o techno reinou com força até o meio-dia de domingo. Uma benção em meio ao caos!
Agora a dúvida é: O que pesa mais para decidir se vamos ou não na próxima edição? O local maravilhoso e line-up excelente ou a péssima produção e a cerveja quente? Façam suas apostas…