Review Febre 2017: a música é um ato político!


Assine a Cápsula, nossa newsletter para mentes inquietas em busca de inspiração

[mautic type="form" id="1"]
Compartilhe esse artigo
[addthis tool=”addthis_inline_share_toolbox_2jg5″]

Foto de Capa: Mag Magrela da banda Pitaias

Quando um festival começa a primeira coisa que nos vem à mente é aquela overdose maravilhosa de música. 3 dias de festival começando e vamos correndo para o primeiro palco, certo? Errado!

O Febre -Festival e Conferência de Música, em Sorocaba, tem um formato inovador e quer proporcionar a quem dele participa uma experiência completa. Como o próprio nome já diz a proposta aqui não é apenas trazer um leque variado de artistas nos palcos, mas também trazê-los para perto do público, por meio de painéis, workshops e até cursos para aqueles que querem botar a mão na massa (falando nisso, quem quisesse gravar uma música e um vídeo clipe, havia a possibilidade de sair com uma gravação de qualidade de estúdio e tudo de graça!).

Entre tantos palcos e tantas bandas, como escolher o que ver depois? (Foto:Divulgação)

Por isso, um festival como esse não começaria dessa maneira clássica de artistas subindo em palcos, aliás eram 10 deles. Mas calma, vai ter muita música e pra ninguém botar defeito: são mais de 40 shows, tanto de bandas independentes da região como de outros 17 estados brasileiros. 

Mapa que espalhava as atrações culturais pela cena sorocabana (Foto:Divulgação)

Em sua terceira edição, o Febre começou aberto, gratuito, para quem quisesse ver e no Sesc . Linn da Quebrada, a performer que se autodefine como “artista multimídia e bixa travesti” subiu no palanque não para cantar, mas para falar de “Fascismo, violência,resistência e revide” – porque ninguém vai ficar parado esperando que o discurso de ódio domine também a cena musical.

Estamos falando de representatividade e ela deve existir em TODOS os lugares. “A música é o canal, uma possibilidade de diálogo. Uma maneira de eu falar e ecoar para o mundo”, revela Linn.

Um dos painéis que aconteceu no Sesc Sorocaba, sempre a partir das 14h

Depois desse tapa na cara bem dado, era possível ter aquele momento tietagem, porque a proposta do painél era justamente conectar o público e o artista, como uma roda de conversa e não um “fala que eu te escuto”. Todo mundo se sentiu à vontade para ir tirar fotos, falar do quanto o som da Linn havia mudado a sua vida – um fã clube todo estava lá – e ela, sempre muito simpática e solícita falava “espero todos vocês no show desta madrugada”. Sim, eram apenas quatro horas da tarde e o show da Linn estava previsto para começar às 2h da manhã e foi até as 4h da matina! Dormir pra quê?  Com tanta coisa rolando, tanta energia em um só lugar, você só sente o cansaço quando para e se quiser parar. Mas este show foda, com o perdão da palavra desbocada, eu conto em mais detalhes já, já.

No meio do caminho pra esse show, muita coisa ainda estava por rolar. Seguido dessa mesa, o painel “A próxima grande coisa” reuniu curadores musicais para debater sobre a economia da música independente brasileira. Grandes nomes como Pena Schmidt, do Centro Cultural de São Paulo, Bruna Veloso, editora chefe da revista Rolling Stones Brasil e Sonoe Juliana, responsável por ações culturais no Sesc, realizaram uma conversa franca sobre as diferentes formas de um artista se lançar (e o que chama a atenção deles quando o assunto é bandas novas).

Falando em bandas novas, o festival estava recheado delas. Cenas da região de Sorocaba e de todo o território nacional estavam presentes. A ideia de diversos palcos pela cidade era genial. O único problema era decidir pra qual deles ir. Sempre havia boas possibilidades, cada casa com um som direcionado, de acordo com o público. Mas como a vida é feita de escolhas, num festival não poderia ser diferente.

Acabei indo para o Depois Bar, do proprietário Fernando Castijo, ou Fernandinho, como todos o chamavam. Ali, me senti entre amigos, sentando num boteco com uma cerva na mão e ouvindo bandas novas. Sem esquecer do jornalismo, circulando com minha câmera pra lá e pra cá, fui convidada para tirar fotos até mesmo atrás do balcão “pra você ter um ângulo mais bacana”, aconselhou meu amigo Fernandinho.

Gui Silveiras foi o primeiro nome do palco trazendo no som uma miscigenação  para não deixar ninguém parado. Samba, frevo, maracatu, chorinho, cantigas de candomblé e o que mais for raiz do Brasil (ou o que couber nessa mistura). Depois foi a vez de Ekena, que dividiu o palco com Paula Cavalciuk, que tocaria novamente no último dia. As duas deram uma aula de empoderamento feminino, principalmente na música Todxs Putxs.

Ekena e Paula dividem o palco em Todxs Putxs

E para lacrar a noite, Linn da Quebrada realiza um show inédito não só para o público como também para ela. Pela primeira vez, a artista apresentou ao vivo todas as faixas de Pajubá, primeiro álbum completo gravado graças a um financiamento coletivo, e que deverá ser lançado nas próximas semanas. Além de ser uma ótima performance, as letras de Linn são de arrepiar, baseadas em carne viva e fatos reais, como remete a música Bomba pra Caralho.

A Maratona Continua: Dia 2

No segundo dia a mesma receita: painéis pela tarde, seguido de bons shows a noite. Tiê, que seria uma das atrações da noite, divide a mesa com a também cantora Amorina e a iluminadora Olívia Munhoz para falar sobre mulheres na música. Assim como qualquer outra profissão, os cargos mais altos são ocupados majoritariamente por homens. Isso ficou nítido na mesa em sequência sobre produção musical. Apenas homens ocuparam as cadeiras. Mesmo assim, foi incrível conhecer o Miranda, famoso pelo programa Ídolos e produtor de bandas como Skank, e O Rappa.

No bar Asteroid quem sobe ao palco é Tiê, a cantora que embalou a noite com baladas românticas e letras que retratam momentos de dificuldade tanto da sua carreira quanto da sua vida. Soltinha, ela fez um show leve, descontraído e com direito a uma voltinha pelo meio do público, cantando olho no olho com quem estava curtindo o show, e deixando claro que para um artista que grandes shows podem ser um sonho, mas que os melhores mesmos são aquelas apresentações íntimas em pequenos lugares, no corpo a corpo.

Tiê traz poesia para a noite, por meio de suas letras reveladoras

Já a meia noite do sábado, em frente a uma incrível pista de skate foi vez de uma das principais atrações do festival subir ao palco. O Terno agitou o palco Suburban com as músicas já muito conhecidas dos seus geniais videoclipes. A banda teve que contar com um quarto elemento, o público, ou como apelidou o vocalista, o Karaokê O Terno. O papel de segurar e salvar o show foi muito bem desempenhado por quem assistia, assumindo parte dos vocais que não podiam ser cantados graças à uma inflamação na garganta de Martim Bernardes. Conexão de público e banda que gerou um dos momentos mais sinérgicos do fim de semana.

Martim cativa o público com o Karaokê O Terno

O fim da tarde de domingo reservou um belo show ao pôr-do-sol. A baiana adotada por Pernambuco, Karina Buhr.

Se podemos ter algumas ressalvas quanto ao lado musical de artistas com letras políticas muito relevantes e emancipadoras e que são importantes para questões de representatividade e ocupação de espaços artísticos e culturais em tempos tão sombrios, as mesmas ressalvas musicais definitivamente não se aplicam à Karina Buhr.

Ela exala boa música, das letras afiadas e sarcásticas até os belos arranjos e grande criatividade sonora, passando por uma performance hipnótica e com uma firmeza que raramente se vê.

Uma frontman, ou melhor, frontwoman, que caberia facilmente em qualquer banda do planeta.  Provocativa do figurino até a forma de encarar o numeroso público à sua frente, intimidadora como qualquer grande “rockstar”, as frases ácidas  sobre machismo e afins entre músicas diretas e certeiras funcionam muito bem ao vivo. Com o apoio de uma banda fantástica e com uma entrega absurda por parte da artista, nem mesmo o microfone que  a traiu com um choque (literalmente!), fez Karina parar. Sem dúvida um dos pontos altos do festival sorocabano.

Karina em uma de suas performances, minutos antes do microfone a trair

E para fechar o festival em um domingo à noite depois dessa pedrada, nada melhor do que a irreverência e a infinidade de timbres da voz de Tulipa Ruiz. Cantora com “C” maiúsculo, que entre suas baladas, canções de amor e brincos politizados pedindo o Fora…vocês sabem quem, dominou o palco do Parque dos Espanhóis para um lindo público diverso que só eventos gratuitos proporcionam. Com participações especiais de Paula Cavalciuk e do próprio pai, Luiz Chagas, ex-guitarrista do Itamar Assunção, Tulipa fez um show animadíssimo que fechou com muita qualidade a parte aberta do festival.

Tulipa soltou a voz para quem quisesse ouvir, em show gratuito

Sempre falamos aqui no Pulso sobre a experiência completa que um festival pode proporcionar e realmente o Febre o faz de maneira inovadora para uma cidade interiorana, mostra que sim, há muita vida cultural longe dos holofotes da capital.

Especialmente a música é um ato político. Seja nas letras, na performance ou no brinco que a artista usa, é uma maneira de juntar públicos diversos que talvez não se conectassem de outra forma e passar uma mensagem. Linn da Quebrada, Ekena, Karina Buhr, Paula Cavalciuk e Tulipa Ruiz são só alguns nomes de uma causa muito maior que elas. Como dizem, a arte extrapola o artista e ecoa para o mundo.

Linn da Quebrada protesta o aprisionamento que a sociedade pode causar até nas roupas
Assine a Cápsula, nossa newsletter para mentes inquietas em busca de inspiração
[mautic type="form" id="1"]

Cinco anos de pesquisa e conteúdo sobre a cultura dos festivais.

@ØCLB / Pulso 2020. Todos os direitos reservados