Descobrimos o BPM Festival em 2014, depois que um amigo voltou de lá todo entusiasmado e contou sobre o tal festival “pé na areia e cheio de DJs de techno” (leia também o review que o Pulso fez sobre o BPM 2016) . Confesso que não sou grande fã de praia, mas sou apaixonado por techno e festas abertas. Por isso, me chamou muito atenção um festival com esta mistura, além de tantos dias e um cardápio tão extenso de djs (não só de techno, mas de house, progressive, entre outros estilos que caminham perto e muitas vezes se cruzam). Então, este ano finalmente embarcamos com destino a Playa Del Carmen para conhecer o BPM Festival super empolgados, pois seria a edição de comemoração dos 10 anos.
Havia uma crítica muita grande sobre à retirada das pulseiras nos anos anteriores. Li relatos que no ano anterior chegou a demorar até 6 horas para conseguir trocar o ingresso. Por sorte, este ano eles iniciaram o credenciamento no início da semana, o que diminuiu o volume de pessoas. Demoramos aproximadamente 5 minutos totais entre entrar, passar nossos nomes, cartão de crédito e sair de lá com a pulseiras felizes da vida para iniciar nossa aventura pé na areia.
1ª IMPRESSÃO SOBRE O FESTIVAL
A primeira impressão ao ouvir “10 dias de festival” é que são festas 24h por dia, non stop – quase isso, principalmente se você tiver pique para ainda ir nos afters. As festas acontecem em duas etapas: durante o dia, das 12h às 21h, com 3 a 4 festas simultâneas nos lugares mais abertos. Durante a noite, das 22h às 6h, com aproximadamente 6 a 8 festas simultâneas. Algumas festas grandes/importantes foram até às 7 e 8 da manhã.
Optamos por dar prioridade às festas durante o dia e algo nos chamou atenção: apesar de iniciar às 12h, a festa só começava a encher lá pelas 17h. Várias vezes nós chegamos no local e tivemos praticamente um show particular, Ellen Allien tocando e a pista só nossa! Comportamento compreensivo, uma vez que a galera vai na festa durante a noite, descansa um pouco e vai para a festa novamente quando “volta a viver”.
Como frequentamos mais as festas diurnas, acabamos indo em todos os locais de dia e em apenas uns 4 lugares à noite. A nossa conclusão é que, de todos os espaços, apenas 2 deles têm mesmo o espírito ‘Playa del Carmen pé na areia’: o Canibal Royale – nosso preferido, pois é à beira da praia, à céu aberto; e o Martina – que, apesar de também ser à beira-mar, é totalmente coberto e lembra um pouco o famoso P12 do Sul, com sua área VIP luxuosa. O resto são lugares mais fechados e acabam lembrando salões de festas comuns, ou baladas. Menos BPM do que eu esperava (aquela coisa de ver o sol se por… eu sei, meio romântico, me deixa!)
UM VERDADEIRO RODÍZIO DE FESTAS
Uma das melhores coisas do BPM é que você pode se jogar nas pistas pra conhecer coisas novas. Não gostou? Tudo bem, tem mais outros 5 lugares pra você se arriscar também. Por isso, nós decidimos ver coisas diferentes, DJs que nunca assistimos, ou que é muito difícil ter shows no Brasil.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o selo Do Not Sit on the Furniture. Caímos de paraquedas nesta festa que rolou no Canibal Royale, pois uns conhecidos nossos estavam indo pra lá e acabou sendo a maior descoberta de nossa viagem! Um selo de Miami super simples, mas com uma galera incrível como Behrouz (que é o dono), Chaim, Lost Desert, entre tantos outros.
Aliás, o Canibal Royale ficou marcado não apenas por ser o lugar mais “praieiro”, como também pelos excelentes showcases que presenciamos. O outro selo que vale ser mencionado é do Dusky: garotada nova, que deu uma aula de progressive sensacional. Não à toa, tiveram seu Essential Mix como um dos 5 melhores de 2016. Foram 3 horas de set, mas poderiam ser 6, facilmente.
Já no Martina conseguimos ver o showcase espanhol da Suara com Edu Imbernon, Josh Wink (que chegou atrasado, com cara de ressaca e fez um dos melhores sets de todo o festival), Ellen Allien (sempre musa, enérgica e muito ácida) e do Coyu (dono do selo). Vimos também do Apollonia, mas que abandonamos por muitos problemas técnicos, e da Rumors, do famoso Guy Gerber.
Mas e de noite? Acabamos nos aventurando no showcase dos 3 romenos do [a:rpi:ar] : Rhadoo, Raresh e Pietre. Fizeram um som bem interessante, minimalista, mas ao mesmo tempo pesado e dançante, afinal eram 8 horas de set, com uma galera do mundo todo reunida e que já estava pilhada das festas durante o dia.
Também vimos John Digweed em um long set de 5 horas. Ele construiu o set beeem de baixo, bem minimalista e foi crescendo. Era um dos artistas que tinha muita curiosidade para ver, mas confesso que não gostei tanto da construção do set, que acabou caindo para um tech-house – que é o que a pista mais responde por lá. Tentaria assisti-lo outra vez, em outro ambiente, pois sei da importância e qualidade deste artista.
O que conseguimos sentir também foi uma grande diferença entre os públicos nas festas. Há turistas que estão alí só de passagem, curtindo apenas aquele dia sem nem saber o que está acontecendo nos 2 horários, mas à noite este número parece ser ainda maior. Andar na Calle 12, a rua da Blue Parrot, La Salsanera, entre outras, dá uma mistura de ânimo e desespero. É tanta coisa e tanta festa acontecendo ao mesmo tempo que conseguiu superar Las Vegas.
Mas tem um lado ruim da marca ter se tornado tão grande e atrair tantas pessoas diferentes: vimos DJs renomados deixando seu estilo de lado para se adaptar à pista. O resultado foi até um Danny Tenaglia, por exemplo, tocando techhouse, mesmo após a Ellen Allien mandar um acid maravilhoso (e que infelizmente a pista não respondeu).
PRODUÇÃO E SERVIÇOS
Deixando os showcases de lado, a organização do festival em si foi boa. Nós não tivemos nenhum problema em nenhuma das festas. Banheiros limpos, funcionários sempre com sorriso no rosto e com bom atendimento. No geral os palcos estavam bonitos, todos com estrutura simples, mas entregando bom gosto e qualidade.
Vale uma observação: nunca vimos um lugar onde faxineiros, barman ou seguranças, todos (mesmo) curtindo a música enquanto trabalhavam. Era gostoso de ver barmen no meio da pista e seguranças dançando e cumprimentando a galera. Galera esta, que aliás, era super educada. Não vimos nem se quer uma possível ameaça de briga, alguém desrespeitando limites de segurança, ou coisas do tipo. Nós realmente nos sentíamos seguros lá. É óbvio que teve furtos (que existe em todo lugar), mas nada perto dos arrastões que acontecem por aqui – era mais a galera que deixava mesmo celular aparecendo no bolso.
Sabe qual foi o maior problema do BPM? O valor da água: aproximadamente R$20,00 por 300ml. Não estou falando que água tem que custar R$1,00. Mas já fomos em vários festivais pelo mundo e nos lugares mais caros custavam por volta de R$15,00, mas era refil! Ainda assim, pagar R$ 7,00 em uma garrafinha eu até acho “justo”, pensando que uma festa não é barata para acontecer. Mas R$20,00, no México, onde a água grande custa R$1,00 em cada esquina é um belo roubo. O pior era ver que a água custava a mesma coisa que a cerveja! E mais cara que um suco (R$10,00). Ou seja: a necessidade básica para se manter hidratado era realmente o item mais caro da festa.
Acredito que este valor elevado seja por conta da demanda de ingressos deste ano que foi menor do que o ano anterior, o que acarretou inclusive no não comparecimento de diversos selos tão esperados pelo público como enter do Richie Hawtin, Life and Death do Tale of Us (que fez uma festa por conta própria na mesma data do BPM em Tulum), Last Night on Earth do Sasha, Vagabundo’s do Luciano, Drumcode do Adam Beyer, entre tantos outros. O resultado foi ter os maiores nomes desta edição tocando 4 ou 5 vezes, em dias e festas diferentes, para ‘preencher espaços’ – o que é muito mais barato que trazer outros grandes nomes, não é mesmo?
O CALCANHAR DE AQUILES DO FESTIVAL
Voltamos no último dia de BPM de manhã. No dia 15, rolaram outras festas durante o dia e, à noite, as festas de encerramento.
Acordamos na segunda-feira com dezenas de mensagens no celular perguntando se estávamos bem. Descobrimos que houve um tiroteio dentro da Blue Parrot, com 5 mortos. Segundo as notícias, os seguranças não deixaram alguns vendedores de droga entrar e eles voltaram abrindo fogo contra os seguranças e público.
Acho que vale uma observação sobre este tópico: o BPM tem uma política muito sutil sobre as drogas. Eles revistaram apenas pessoas com bolsas ou mochilas, a procura de alimentos ou bebidas, pois isso tira o lucro da casa. E ainda era uma revista super leve e rápida. Já dá pra imaginar o resultado disso, não é mesmo?
Vimos centenas (sem exagero da minha parte, digo isso de verdade) de vendedores de drogas durante os 9 dias. Eles vendiam drogas na frente dos seguranças, conversavam com eles, tudo assim ao ar livre e natural. Ao mesmo tempo, as pessoas também usavam drogas sem problema algum. Ao contrário do que vemos no Brasil, não vimos ninguém torto, ou caindo. Os paramédicos deviam estar ali apenas para cumprir leis, porque não vimos nenhum sendo acionado, em nenhum dos dias. Então chegamos à conclusão que a política do BPM é: divirta-se. Do seu jeito, à sua maneira, mas divirta-se.
Enfim, o BPM atrai turistas do mundo todo em janeiro, movimentando a economia local e isso chama atenção dos cartéis que querem faturar. O resultado final disso foi a notícia nos jornais. Talvez o México seja um lugar atípico para essa discussão, pois é muito claro o problema que eles têm de cartéis. Não estamos falando de vender drogas, mas sim de gangues, de domínio de território e tudo mais. É algo muito maior e mais perigoso.
Após este triste acontecimento, saiu a notícia de que o festival foi proibido de acontecer novamente em Playa del Carmen e quem mais perde com isso são os próprios moradores. Basta 10 mins de caminhada na cidade para perceber o quanto restaurantes, artesãos e famílias que locam as casas dependem deste movimento em janeiro para garantir a verba do ano. Agora, sem um festival grandioso deste para atrair pessoas do ano todo na baixa temporada (lá é inverno), como irão suprir isso?
Este ano o BPM acontecerá (?) em outros lugares (Itajaí, no sul do Brasil, e em Portugal), o que é ótimo. Torço que eles consigam sediar o festival com o mesmo carinho e possam proporcionar um pouco desta experiência para mais pessoas. E, claro, que todo mundo vá para se divertir, pois não existe nenhuma ameaça contra a vida de ninguém.
Não sei se chamo de sorte ou azar, mas tivemos a oportunidade de talvez ter ido na última edição do BPM em Playa del Carmen. Sou grato por toda a experiência e por todo o carinho do povo local super acolhedor.
Fizemos alguns amigos por lá, descobrimos artistas novos e incríveis, conhecemos uma cidade linda e acessível. Não é o tipo de festa, de clima e de estrutura que veríamos por aqui, por isso voltaríamos numa próxima oportunidade – valeu o investimento.
*Texto feito em conjunto com Karen Oliveira – minha eterna companheira de pista e viagens.