Em um pacato vilarejo em Idanha-a-Nova (Portugal) esconde-se um terreno vasto cercado por uma represa limpa que reflete o céu. É nesse lugar que, desde 1997, acontece um dos mais expressivos e esperados festivais do mundo: o Boom Festival.
Considerado a meca do trance, o sucesso e a ansiedade acerca do festival se dá pela maestria como foi crescendo nos últimos anos.
Seu caráter multidisciplinar, transgeracional e intercultural mesclam arte, experiência, música, natureza e diversidade cultural com um dos principais componentes da atualidade: a consciência ambiental.
Mais de 34 mil pessoas interagem bienalmente em um espaço de entretenimento cuja a lógica de funcionamento é totalmente integrada com a terra e seus ideais.
A ausência de marcas e estratégias fervorosas de marketing conferem ao Boom autenticidade e alma.
O Boom cresceu porque se manteve fiel à sua história, sua origem e porque sabe muito bem aonde quer chegar, evoluindo de forma orgânica e com respeito e devoção à sua cultura, onde a música invoca os estágios primitivos do transe e da interação mundana.
Em sua segunda edição, o Being Gathering segue como uma extensão dessa expansão. Faz sentido pensar que, entre os anos que não há Boom Festival, existe espaço – literal e emocional – para que novas experiências se desenhem e povoem a áurea mágica que há 20 anos habita o espaço.
Também faz sentido pensar que, em um mundo tão acelerado, tão carente de pausas, se dê uma oportunidade de (re)conexão; com você mesmo, com a vida, com a família e os amigos.
É dentro deste contexto que nasce o Being Gathering. Com foco em práticas de autoconhecimento e total integração com a natureza, o line up deste festival é a ode ao bem-estar.
Já frequentei muitos festivais mundo afora, mas nunca havia participado de um festival cujo o foco era o “self”. Eu não vou me ater em apresentar, neste texto, as atividades que eu vivi lá (a relação completa você pode ler aqui), mas divido com vocês alguns aprendizados e percepções de tais experiências. São elas:
Deixe seu relógio de lado
A beleza de participar de um festival cujo propósito é o autoconhecimento, é saber que não se trata de uma “cidade utópica”, mas um privilégio estar verdadeiramente em comunidade.
Cheguei lá com a bagagem cheia e com os vícios da vida cotidiana e, muito rapidamente, me deparei com uma primeira mensagem: We Are Love. Essa frase estava dentro do lago, bem grande, na entrada do festival. Quanto mais eu caminhava, mais eu conseguia desacelerar.
Sabia que ali eu conseguiria, por alguns dias, deixar minhas preocupações e rotina de lado, dormir na natureza, fazer tudo aquilo que tivesse vontade. Meu relógio nesses quatro dias seria regido por outra lógica: nascer e pôr do sol, fome, calor e frio.
Quando o sol ia embora, era hora de ir na barraca, colocar roupas mais quentes e se preparar para noite, até sentir cansaço e vontade de dormir. Nós queremos descansar, mas não nos permitimos desacelerar.
A pausa e a contemplação que vivi nesses quatro dias permitiram uma conexão comigo mesma, com o meu tempo, com a minha intuição. O direito de ir e vir de forma leve e orgânica dentro do meu relógio pessoal.
Autoconhecimento Corporal, Emocional e Práticas
Ao chegar no festival você ganha um livro com todas as atividades e os respectivos locais e horários. As atividades iam desde yoga, sup, alongamentos, meditações, watsu, workshops, rodas de conversa, teatro, música, fogueira, rituais e práticas.
Em teoria, me sentia apta para fazer tudo, na verdade, eu queria fazer tudo. Mas, na medida que você se entrega e vai desbravando o “self”, você percebe que é preciso estar muito consciente de suas próprias possibilidades.
Tem muita prática que vasculha lugares profundos, que desperta sentimentos que carregamos dentro de si e que nem sempre temos consciência ou conseguimos administrar.
O programa estava incrível, os professores e mentores eram pessoas extraordinárias, o lugar totalmente integrado com a natureza e a conexão com as pessoas era quase que evidente.
Numa troca simbiótica e tão poderosa quanto essa, é preciso saber que devemos fazer somente aquilo que sentimos verdadeiramente preparados. Cada experiência deve ser única e fruto de uma escolha consciente e individual.
Hábitos e Alimentação
A praça de alimentação parecia um condado mágico (sem exageros). Funcionava como uma grande praça de alimentação, mas dentro da natureza, com mesas de madeira, sombra e espaços de integração com muito conforto.
Existiam diversas opções de restaurantes, cafés, smoothies, minimercado e bar com opções de alimentação saudável, nutritiva e orgânica.
Você vê que realmente faz muito sentido a sua alimentação estar equivalente com os seus hábitos e práticas.
Aqui não estou defendendo a ditadura do saudável, mas a incrível oportunidade de comer comidas muito, mas muito poderosas. Idanha-a-Nova é conhecida por ondas de calor severo e, de fato, a hidratação e a alimentação se tornam ponto chave primordial para a lógica do bem-estar.
Comi de tuuudo – faláfel, smoothies, pizza, hummus, abacate, saladas, mas não posso deixar de citar duas coisas que me emocionaram: o suco de limão com manjericão gelado e a cerveja artesanal que era simplesmente inacreditável (essa era a única cerveja disponível no festival e tinha várias opções para degustação).
Crianças, Crianças e Mais Crianças
O festival se revelou um verdadeiro paraíso para se estar com a família. Além do lago e muita natureza para os pais interagirem com seus filhos, o espaço infantil era de emocionar: brinquedos antigos, perna de pau, peão, casa da árvore, horta, teatro, yoga, oficina de barro, livros, redes espalhadas pelas árvores para as crianças dormirem, rodas de leitura, entre outras atividades.
É notório a pureza de uma criança e lá eram todas lindas (lindas mesmo). De 4.000 mil pessoas no espaço, 456 eram crianças. E, acreditem, foi uma coisa mágica ver adultos e crianças interagindo e vivendo o espaço de igual para igual.
Veja bem: é comum encontrar famílias e crianças em festivais, é claro, mas não é tão simples viver a experiência quando se trata de um festival muito grande, é preciso muito cuidado e atenção. É música alta sem parar, milhares de pessoas, calor e muita informação para a criança assimilar.
No Being, elas eram protagonistas e transitavam quase que livremente pelo “condado”. É interessante que pais possam proporcionar essa experiência de uma forma tranquila e mais calma para seus filhos, sem que se sintam castrados de irem a festivais.
Serve também como um lugar de reencontro. Encontrei vários amigos e conheci seus filhos, foi realmente emocionante.
Música e Ritmos
A experiência musical era bastante diversificada: bandas ao vivo, dj set, música experimental, tambores, tambores, muuuuuitos tambores.
O que eu sei é que tudo que ouvi estava fazendo completo sentido com a experiência. Se tem uma coisa boa na vida é dançar a céu aberto, ouvir uma música que te inspira, que te move. A última atração do Main Stage acabava sempre à meia noite.
Depois disso, era cada um por si descobrindo novas possibilidades ou permitindo maior interação uns com os outros nesse amplo espaço e com a natureza.
Destaque para o Dj Set do Gaudi que bagunçou todo mundo com tanta diversidade, fechando a pista ao som do clássico Beautiful World e dos incríveis músicos de Hang Drumb espalhados por todos os lados. Outro motivo de alegria: música cigana. Muuuuita música cigana! VIVA!
Essa vivência me deixou com uma sensação muito forte. É como se eu tivesse ido para um resort de festival.
Resort, não no sentido extravagante do termo, mas um lugar completamente confortável para se estar imerso na natureza.
O espaço era enorme e tudo funcionava perfeitamente. Os banheiros e casa de banho eram impecáveis, biodegradáveis, limpos e sem fila.
O comércio era um charme à parte: artesanato, roupas, incensos, entre outros achados. E quando falo em resort é porque realmente é um luxo poder em poucos dias lembrar tantas e tantas vezes o quanto é maravilhoso viver.