A aclamada nova edição do Woodstock, que comemora o aniversário de 50 anos do festival mãe dos festivais, está chegando. Mas, mesmo envolta em polêmicas e estando hoje em um cenário ainda nebuloso sobre sua execução em Agosto deste ano de 2019, surge a pergunta: o mundo realmente precisa de mais um Woodstock?
Eu, como um bom millennial, conheci woodstock primeiramente quando tinha uns 10 anos de idade. Na ocasião, foi pelo DVD do maravilhoso filme que registra o festival de 1969. O filme me chamou atenção na locadora por conta da foto de capa. Ea aquele enquadramento da multidão na fazenda de Yasgur em Bethel, NY. Minha mãe bem tentou me dissuadir de alugar porque era um show e não um filme, mas eu insisti. Quando eu dei play fiquei encantado. De sexta a domingo, período da locação, devo ter visto o filme umas três vezes.
Naqueles dias sonhei em ser Michael Lang, o produtor hippie tranquilão daquela loucura toda. De fato, a imagem de Lang andando de moto pela fazenda retornou muitas vezes para mim. E ela foi essencial para minha caminhada como produtor cultural. Portanto, não venho aqui tacar pedra neste símbolo da contracultura que todos idolatramos.
Por que o Woodstock é tão especial?
Mas o que faz Woodstock tão especial? Algumas pessoas dirão que é por conta do tamanho do público. Pouca gente fora dos Estados Unidos, porém, se lembra do Summer Jam, que aconteceu 4 anos depois. Este festival entrou pro Guinness na época como o maior público de um festival pop. Outros dirão que é por conta da reunião de movimentos pacifistas em um momento chave. Na época, a guerra do Vietnã estava no seu auge. Isso também é uma verdade, mas uma série de outros movimentos aconteceram na época e não são lembrados.
Em recente matéria para a Pitchfork, Tyler Wilcox destaca outros festivais marcantes do mesmo ano. Ele ainda toca em um tema polêmico. O Woodstock não foi o festival com o melhor lineup. Também não foi o primeiro da leva de encontros contraculturais. E, definitivamente, não foi o festival que deu mais certo, ao menos não nos três dias em que aconteceu. Fracasso econômico, fracasso estrutural, uma multidão imensamente superior ao espaço – inclusive a maioria das pessoas que tentou ir não conseguiu.
Quando lembramos de Woodstock, normalmente recordamos a imagem de casais hippies se beijando na chuva fazendo o sinal da paz. E não dos quilômetros de estrada parados porque as pessoas abandonaram seus carros para ir curtir o festival. Nem de gente esfomeada passando mal com o ácido marrom – que foi oficialmente anunciado no palco como não recomendável.
O festival venceu mais que tudo, portanto, a batalha da memória. Woodstock só tem a importância que tem por conta dos registros tão bem feitos dos três dias de festival. Foram registros em vídeo, no antológico filme de Michael Wadleigh. Emfoto, como as publicadas na revista Life. Ou, mesmo, áudio, que hoje estão sendo integralmente relançados em alta qualidade. Esses registros viajaram o mundo e seguem sendo reproduzidos como os dias de ouro da contracultura e do movimento hippie.
O trágico resgate da memória do festival
A batalha da memória deu certo. Mesmo depois de fazer com que o governo do estado de Nova York decretasse uma enorme área de calamidade pública nos arredores do festival em 69, os organizadores conseguiram se reunir novamente. Em prol dessa memória, em 1994 e em 1999, foram realizadas novas edições do festival. Duas ocasiões para celebrar novos dias de paz, amor e música. 25 e 30 anos depois do festival inicial muita coisa foi aprendida, correto? Não exatamente. Essas duas edições foram bastante turbulentas – para usar um adjetivo sutil.
Em 1994, o Green Day literalmente travou uma guerra de lama com o público. Em 1999 o San Francisco Chronicle nomeou o festival como “o dia em que a música morreu”. Considerando que uma pessoa efetivamente morreu, vários casos de estupro foram relatados. As pessoas também ficaram revoltadas com os preços absurdos da água, comida e falta de estrutura. Por isso, botaram fogo em tudo que viram pela frente. As palavras do jornal talvez sejam adequadas.
A música como catalisadora da paz e do amor em nova edição do Woodstock?
Michael Lang, o hippie produtor, não concordou com essa constatação. Ele achou uma ótima ideia fazer uma nova edição do Woodstock 20 anos depois. Parece que as coisas não estão indo tão bem com esse plano, mas isso é outro assunto. A verdade é que: por que diabos, depois de tanta catástrofe, alguém ia querer refazer esse cenário? Assim, por um lado, chega a ser bonito essa esperança da música como catalisadora da paz e da contracultura. Mas, a realidade é um tanto mais cruel.
O Woodstock talvez seja uma boa analogia para todo o cenário do Rock. Apesar de seguir vivo na reinvenção constante que bandas contemporâneas fazem do gênero, ainda se valoriza através da moeda da memória nostálgica. “Ah porque naqueles tempos …” Este é o sentimento que move boa parte da indústria cultural em torno do gênero. E isso acontece tanto nos Estados Unidos quanto aqui em terra tupiniquins.
Para ser justo com Lang e sua turma, é preciso dizer que os Woodstock dos anos 90 foram importantes. Eles destacaram jovens talentos que depois se consagraram. Alguns deles são Mobi, Chemical Brothers, Muse, Alanis Morisete e Dave Matthew’s Band. Mas, de toda forma, é fato que os festivais se alimentam de uma nostalgia. São lembranças de dias de liberdade que jamais poderão ser revividos.
Precisamos mesmo de uma nova edição do Woodstock?
Com um mundo enorme de possibilidades será que precisamos de verdade de mais um woodstock? Com uma cena em constante ebulição precisamos de fato que os headliners de festivais sejam repetidos com tanta constância? Perguntas que seguem sem resposta.
PS. Lang se você ler esse artigo saiba que eu te admiro pra caramba e se tu conseguir fazer o Woodstock 50 eu aceito um ingresso como imprensa 😉