Pohoda é o maior e mais importante festival de música e artes da Eslováquia. Tão importante que o presidente do país estava lá nesta última edição. Mas isso não é o que interessa.
O festival celebrou em 2018 a sua 22ª edição. Foram 3 dias de evento, com ingressos esgotados (30 mil pessoas x dia) e atrações como os Chemical Brothers, St. Vicent, Jamie Collum, Ziggy Marley, GusGugs, BADBADNOTGOOD, Aurora e Jessie Ware. Mas também não é isso o que interessa.
Além de já ter recebido diversos prêmios, entre eles o de lineup do ano e melhor festival de médio porte pelo European Festival Awards (EFA), o evento é disparado o mais limpo que já fomos. Quase não se vê lixo pelo chão.
O sistema de coleta de lixo é impecável, copos retornáveis são remunerados e o festival distribui cinzeiros portáteis para os fumantes dispensarem suas bitucas. O Pohoda também ganhou em 2017 o prêmio green operations pela eficácia sustentável de sua produção.
Embora tudo isso seja muitíssimo importante – #respect! – também não é o que interessa.
O que interessa é que o Pohoda é um festival feito com o coração.
Pohoda, em eslovaco, quer dizer “paz, tranquilidade, contentamento”. E é isso que ele entrega.
Com a palavra, Michal Kaščák, fundador do festival:
“Quando preparamos o Pohoda, tentamos usar o mesmo planejamento de quando você vai receber uma visita em sua casa. Você quer que elas se sintam bem, que tenham uma programação de atividades, mas também um lugar para descansar e dormir. Você prepara bons drinks e comida e faz tudo para que se sintam confortáveis, inclusive no banheiro. Daí vocês escutam boa música, dançam, assistem filmes, conversam sobre os prazeres da vida e os desafios do universo, discutem arte… Enfim, você faz tudo que suas visitas querem para se sintam à vontade”.
Um festival feito com o coração
O símbolo do Pohoda são dois bebês irmãos, juntinhos como se estivessem no ventre materno. É notável sentir o amor no ar.
Durante o tempo que Carol e eu estivemos lá, sentimos uma energia rara, quase mística, que só um festival excepcional consegue entregar.
Um imenso número de famílias, muitas crianças e deficientes, gente dormindo na grama (tranquilos, com os pertences ao lado), muito sorriso, simpatia e educação.
A sensação que dava era de um final de semana especial no parque. Quase não parecia que, na verdade, estávamos em um antigo aeroporto militar desativado.
O lugar, aliás, é igualmente mágico. Um terreno 100% plano, de onde ao fundo enxerga-se as montanhas dos Cárpatos, com grama verde e longos trechos de asfalto.
Detalhe: o sol nasce às 4:30 da manhã e se põe às 21:00 da noite.
Um lineup de comidas e bebidas pra se jogar
Vamos aos fatos: os eslovacos bebem. Bem. E isso os faz ser ainda mais queridxs. Havia bebidas de todos os tipos. Incluindo variações de cerveja artesanal, vinhos produzidos localmente (e fora também), espumantes (deliciosos!) e drinks variados.
Dentre todos os festivais que estivemos na Europa, foi o lugar com os preços mais baratos para beber.
E a comida… rapaz!!! Adoraríamos que o festival durasse uma semana só para conseguir experimentar cada prato.
Havia opções de comida diferente de tudo que já vi. Uma hora, passamos por uma mega fila para uma barraquinha destas de pratos locais. Uma menina viu nossas caras de quem não entende nada e prontamente veio explicar: “Essa fila é do lángos. É uma espécie de doughnut frito, leva alho e sal. Você TEM que experimentar. É delicioso!”.
Agradeci, conversamos um pouco e continuamos andando. Quando estávamos na terceira barraquinha depois, ela se aproximou da gente e disse: “Olha, eu sei que a fila tá grande, meu namorado está lá. Se vocês quiserem experimentar, posso pedir comprar para você um”.
É esse o tipo de vibe das pessoas neste festival. Não é o máximo? <3
A diferença entre festivais corporativos e os festivais feitos com o coração
Festivais corporativos são aqueles que parecem ter sido feito para os seus patrocinadores. O público paga um preço alto (nos ingressos, nas comidas, bebidas etc), fica de fora ou horas na fila para entrar em stands voltados para “influencers digitais” e , se der sorte , vai voltar para a casa depois de assistir uns bons shows.
Festivais feitos com o coração também tem marcas patrocinadoras. No caso do Pohoda, elas também assinavam palcos, estavam presentes na comunicação e ao longo de todo o evento. Mas, diferente dos corporativos, as marcas ali dentro não parecem gritar por atenção. Elas estão à serviço do público.
A telefonia Orange é um exemplo. Patrocinadora do festival, assinava um dos palcos. Mas também oferecia wi-fi gratuita ao longo do festival, pontos para carregar o celular e um sofázão laranja e gigante para as crianças brincarem (e seus pais tirarem fotos).
Próximo do palco, a Orange montou um destes stands temáticos, com um bar dentro. Mas diferente se um aquário fechado, o stand era aberto, qualquer um podia entrar e sair, privilegiando a circulação e acesso. Era mais um lugar agradável de descanso que uma “ativação da marca”.
Quando o lineup é bom, você simplesmente confia
Também existem dois tipos de estratégia em lineup de festivais.
Um, o festival investe em astros do tipo “arrasta quarteirão” na primeira linha do cartaz. O resto é uma salada mista de nomes em letras decrescentes, que você lê como se você estivesse fazendo um exame de vista. Nesta lógica, o lineup é bom na proporção do quão populares são os headliners.
Dois, o festival escolhe cuidadosamente os nomes, sem concessões (artistas entubados na programação) e sem que nada que se sobressaia muito mais que os outros. A grade artística é tratada dentro de uma construção sonora com unidade. Ela faz sentido com a identidade do festival e os horários de cada apresentação. Nesta lógica, os headliners não importam muito, porque o lineup é todo bom. É um lineup de descoberta.
O Pohoda encontra-se neste segundo caso.
Claro, fui lá conferir os artistas que já conhecia. Adorei o show do Jamie Collum (que cantou versões incríveis, com destaque para Sinnerman da Nina Simone). Fiquei hipnotizado pela beleza escandinava e pop da vocalista do Little Dragon. E também pela personalidade e presença de palco da St. Vincent.
Mas também adorei descobrir o trap sujo e underground da francesa Coucou Chloe. O worldbeat eletrônico do animadíssimo do grupo canadense tUnE-yArDs. E o eruditismo pop, clássico e intenso dos americanos Kronos Quartet.
Não vou perder tempo descrevendo o que rolou em cada um dos seus 12 palcos (um era uma pista de patins!). Mas se você um dia tiver interesse em conhecer o festival, basta saber isso: pode confiar.
*
Encerro este review com um agradecimento à produção do Pohoda. Um festival que me tocou verdadeiramente. De coração.