Old Love Dies Hard: Sobre Ser Um Believer Third Age nos Festivais


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* por Afonso Rodrigues

Nasci em 11 de setembro de 1953, data que contém dados que remetem ao atentado terrorista e ao fato de ter sido na metade do século passado. Por vezes pode soar inimaginável que a esta altura da minha vida, às vésperas de fazer 63 anos, eu ainda seja um sonhador que acredita – e vai! – em Carnavais da Margarida Elétrica, em Ultra Festivais de Música e em Terras do Amanhã.

Sim, eu creio. E vou.

Mas, acima de tudo creio neste povo todo que também crê e está lá pulando na frigideira. Somos crentes, unidos para sempre por estas festas de comunhão e high vibe.

Podia parar aqui, mas quero falar um pouco mais do que é ser um believer e o que é ser third age no meio do mar de jovens que se reúnem num rito de adoração frenética na frente de um palco que mais parece uma nave espacial alienígena.

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Tomorrowland Bélgica 2014 (Acervo Pessoal)

Desde pequeno ouvi rock/pop, mesmo com formação musical erudita nas barras da saia da minha mãe, professora de música, passei pelas décadas todas do século passado (estou evitando falar “milênio” para não parecer tão old assim) acompanhando a evolução dos estilos que se sofisticavam a cada passo, se eletrificavam, agregavam diferentes influências e abrigavam um público cada vez mais eclético debaixo de seu guarda chuva artístico/conceitual.

Foi num momento destes que ouvi Kraftwerk, e aí os sons sintéticos nunca mais me deixaram. Podemos juntar a este histórico cultural minha entrada no ramo de som profissional mantendo com um amigo uma empresa responsável por bailes e festas diversas, onde dei uma de DJ por bastante tempo, obviamente sem ter a virtuose que esta categoria tem hoje e, como festeiro, fui tendo a curiosidade de procurar conhecer outros eventos.

Fiz isto, mesmo percebendo que meu visual causava estranhamento: fui parar num morro no Rio para conhecer um baile funk (e me confundiram com um policial disfarçado), fui no show do Kraftwerk (e pensaram que eu era segurança), fui ver Pet Shop Boys (e um rapaz me perguntou se eu estava tomando conta da fila da cerveja), mesmo assim, a partir destes shows, fui procurar algo mais monumental: fui no Rock in Rio. Pra que!!!

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Olhares no Lollapalooza Brasil 2015 (Acervo Pessoal)

Aquela sensação de ser um com um todo maior me contaminou de tal forma que a experiência virou radical. Claro que em shows solo acontece isto também, mas nunca naquela dimensão, em uníssono com centena de milhares de pessoas. Foi mágico. Foi transformador. A procura por aquela sensação me perseguiu por tempos e tempos, porém, por necessidades profissionais, me afastei bastante das participações ao vivo e fiquei só na atualização musical particular, assistindo boquiaberto a ascenção dos DJs com sua música que era uma misturada louca de pop, samplers, minimalismo e pesquisa eletrônica erudita. Coisa de gênio! Sedução irresistível. Um convite a um rito tribal de consagração à vida. Quanto mais ouvia eu pensava: o que Wagner, Stravinski, Ligetti, Steve Reich, John Cage, Philip Glass, dentre muitos mestres revolucionários, pensariam daquilo? Adorariam, tenho certeza. A coisa só crescia e ampliava seu público.

Foi quando, estando em Buenos Aires, um amigo brasileiro (Obrigado, Fernando Franco!) falou comigo assim: “Está acontecendo uma edição do Ultra aí, por que você não vai?” No dia seguinte estava pegando um taxi e desembarcando no meio daquela loucura toda para – definitivamente – nunca mais sair. Que que era aquilo? Que palco, que som, que festa, que energia…Voltei pra casa com a cabeça explodindo de entusiasmo. Passo seguinte: Tomorrowland na Bélgica (!!!), Latitude na Inglaterra, Lollapalooza Brasil, Tomorrowland Brasil, Sónar SP, EDC SP e o que mais viesse…quantas vezes viesse.

Pulseiras

Pulseiras que contam histórias (Acervo Pessoal)

Mas o que é ter seis décadas de vida e desembarcar numa onda dessa?

Tudo bem? É tranquilo? Vejamos os desafios…

Primeiro, a aceitação

Eu achava que o contraste visual entre eu e a galera seria gritante. Fica gritante sim porque a massa é predominantemente jovem e já não pereço fisicamente um garotão. Mas há vantagens: pelo menos nas revistas dos seguranças sou tratado com um respeito único (rs…) e toda a garotada não está nem aí pra isto. Porém, aqui no Brasil, vejo pouca gente mais velha no público, ao contrário da Europa, onde cheguei a ver, em Boom, um nobre senhor de terno, gravata e sapato social com uma mochilinha nas costas que dançou como se não houvesse amanhã. Este cara não sabe como liberou minha performance.

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Com a galera do Rudimental, que se apresentou no Lollapalooza 2015 (Acervo Pessoal)

Segundo, o corpinho.

Gente, nossa embalagem física é como uma máquina: as peças vão ficando gastas e precisam de manutenção. Claro que depois de uma sequencia de Nick Romero, Armin von Buuren, Steve Angello, Tiesto, Hardwell e seus pares, até a garotada apresenta desgaste e cai pelas tabelas ( não tem banquinho pra sentar, como bem observou uma garota no EDC) e precisa dar um tempo. Não difiro de nada disso e vou pro chão tentar acalmar as dores que assolam partes do meu corpo que eu nem sabia que existiam. Não vou desenvolver o tema “aditivos” e “energéticos” porque já se fala bastante nisto. Só sei que as energias se renovam e a adrenalina impera fazendo que você agradeça todas as horas de academia que fez na vida.

Terceiro, o day after.

A gente vira uma família com as outras pessoas presentes no festival, mas aí tudo acaba e voltamos pra “nossa” família e meio social. Se entre a garotada o sucesso e a admiração por ter ido é garantido (Carai, véi, tu foi na rave?…), basta eu colocar minha camiseta com o logo do evento para causar rebuliço ( Velho, o senhor foi naquilo?…) e eu faço uma cara de quem foi abduzido e viu os segredos do universo. Como sou um emérito acadêmico, possuo livros publicados, faço palestras, dou cursos, recebi láureas diversas, já fui chefe, coordenador ou diretor de algumas coisas, sou respeitado, porém percebo que no fundo aqueles que se surpreendem, na verdade admiram minha atitude, pois queriam é estar lá, ou em algum outro lugar, onde pudessem ser eles mesmos sem problema algum.

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Lollapalooza 2014 (Acervo Pessoal)

Sinto que eu hoje não me concebo como um personagem que participa temporariamente dessas festas imensas e que em breve estarei em outra frequência. Não. Há uma expressão em inglês que diz “old loves die hard”, ou seja, amores antigos não morrem fácil. Sou hoje um cara que agregou toda minha trajetória de vida à experiência contemporânea do rito eletrônico. Não deixei de fazer/ouvir/ver tudo o mais que me faz um ser cultural, mas depois de pertencer àquela multidão que grita e dança ao som de seu DJ favorito e ver, com os olhos cheios d’água, ao espetáculo daqueles fogos que iluminam o céu (o de fora e o de dentro da gente), admito que muita coisa mudaria no mundo se todos pudessem viver isto, assim como mudou muito em mim: hoje sei que sou uma pessoa melhor.

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* Afonso Rodrigues é professor universitário e artista plástico. Nunca sossega e se interessa por muita coisa porque acredita que quanto mais se aprende mais se compreende a poética da vida.

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