Depois de cinco dias de muita atividade, é difícil parar para escrever sobre a experiência que foi o Nuits Sonores, festival que apresentou sua 13a Edição em Lyon no final de semana de 13 a 17 de Maio. Mas para atiçar a curiosidade de todos os festival lovers, e também pra sintetizar tudo o que aconteceu de mais bacana, resolvi dar uma pausa na viagem e botar um pouco de tudo que vivemos no papel.
Eu e o João, meu namorado, viajamos para Lyon (França) para curtir o Nuits Sonores e European Lab. Aproveitamos que os eventos rolariam bem pertinho do aniversário dele, e que teríamos um mês de “maré baixa” no trabalho, para fazer a viagem. Inserimos Lyon no meio de um roteiro bem agitado de turismo/férias/negócios pelo velho continente. Nenhum de nós fala “lhufas” de francês e Lyon não é uma cidade turística. Mas isto não foi nenhum problema, porque além de termos um amigo local que fala português, nunca vi um lugar onde amem tanto os brasileiros quanto a França.
Pra começar, foi muito bom me sentir como parte do público
No Brasil, sempre que vou a um desses eventos é a trabalho, além disso me considero uma clubber: prefiro clubes a festivais, portanto não tenho como comparar o NS com algum outro que eu tenha ido nos últimos meses. Essa falta de um objeto de comparação faz muita diferença na experiência, porque curtir algo “pela primeira vez” é sempre mais legal. A última vez que tinha sido mera espectadora foi no Sónar Barcelona em 2011 – mas o Nuits Sonores não é nenhum mega evento trendsetter que atrai pessoas de todo lugar. Pelo contrário: é um festival local, de uma cidade universitária de tamanho mediano.
Mais do que música
Obviamente um dos motivos que nos levaram ao NS foi a sua curadoria, que escalou artistas como Ben Klock, Jamie XX, Daniel Avery e John Talabot para apresentarem seus próprios espaços, com artistas que dialogam com o tipo de som que fazem. O festival teve mais de 180 artistas de 23 nacionalidades.
Além do line-up, o que nos interessou muito foi a relação entre o evento e uma certa economia criativa sócio-cultural, que conecta música, design, tendências e as cidades da Europa com o evento paralelo que rola durante o dia, o fórum European Lab.
Em 2015, o grande foco do NS foi Varsóvia, a capital da Polônia que é considerada a “Nova Berlim” por misturar a mentalidade libertadora do pós-socialismo e um estilo de arquitetura e design que não deixa a desejar aos nórdicos. Esta homenagem foi prestada de várias maneiras no Nuits Sonores através do evento chamado “Carte Blanche a Varsovie”, que teve de exposições de design e cinema poloneses até a apresentação da Warszawska Orkiestra Rozrywkowa (orquestra com 10 membros que é um híbrido de jazz, easy-listening e rock).
Sociólogos, arquitetos, designers, artistas e universitários debatiam durante o dia e se misturavam nas pistas de dia e de noite. Infelizmente faltou tempo pra poder apreciar todo o intercâmbio que rolava, porque 5 dias e 5 noites com artistas imperdíveis tomaram um bocado da minha energia. Ainda bem que deu pra trocar uma ideia com uma das fundadoras do European Lab sobre o projeto, que foi criado por três amigas (momento girl power!) para servir de laboratório de análise dos festivais que aconteciam na França, 13 anos atrás. O projeto acabou recebendo apoio da prefeitura (que, em busca de uma cidade menos conservadora, ofereceu espaços públicos e parceria) e recentemente recebeu também um aporte da União Europeia, o que acabou dando origem a um dos festivais mais interligados com cultura, público e com a cidade que eu já tive o prazer de participar.
Segundo a organização, a intenção é diminuir um pouco o evento, que contou com 150.000 pessoas nos 5 dias de festas, fóruns e circuito “off”. Eles acharam que cresceu demais, e querem continuar com um festival de tamanho mediano ao invés de desenvolver uma plataforma para o grande mercado. Aí, sim, entendi o porquê de tantas pessoas não entenderem como dois brasileiros estavam ali. E passei a enxergar toda a experiência como um observador realmente “de fora”! O Nuits Sonores não tem a pretensão de ser grande festival nem uma referência. A intenção é levar cultura para o seu pequeno universo, e fazer isso bem feito!
Crédito imagem: Marion Bornaz
Top 10 atrações musicais
Impossível descrever cada um dos sets, então achei melhor fazer de maneira mais prática. Se você tem a chance de curtir um (ou mais) destes caras nos próximos meses, aproveite. Fiz um TOP 10 dos que mais gostei dentre os big names, com mini explicações de cada act:
- John Talabot / Influência progressiva e apresentação original, sem o Nu Disco tropical que eu estava esperando.
- Joy Orbison / Sensacional. Ele não segue uma linha no set, o que transforma o mood da pista a cada 15 minutos.
- Daniel Avery / Techno muito original, aquele de fazer sofrer!
- Barnt / Sensibilidade única, set slow motion: nunca usei tanto o Shazam na vida.
- Jamie XX / Influência Bass e muitas surpresas.
- John Hopkins (LIVE) / O legítimo bate-assopra: quebrava tudo e depois fazia você se reestabelecer com melodias felizes. Lindo!
- Rone (LIVE) / Eu também não conhecia este cara, mas ele é um “local hero” de Lyon, e faz um live bem interessante, sinestésico, com as devidas influências de Daft Punk e Jean Michel Jarré!
- Octave One (LIVE) / Surpresa da Closing Party do coletivo We Are Reality, a dupla de dinossauros do Detroit Techno animou tanto que me fez esquecer dos DJs que tocavam na pista 2, Marcel Dettmann, Agoria e Rodhad. Bom, não se pode ter tudo!
- KinK / Com sorriso de orelha a orelha, fez um set de tech house alegre e envolvente, vocais na medida exata!
- Agoria b2b Mano Le Tough / Agoria é a “cara” do Nuits Sonores ao lado do Laurent Garnier, e com Mano intercalou hits e clássicos pra deixar a pista animada e querendo mais.
Decepcionou
- Tale of Us/ A dupla apresentou uma tenda na Noite 1, “A Tale of Nuits Sonores”, mas fez o Techno mais óbvio de todo o festival. Criou um novo gênero, o EDM Techno.
- Floating Points / Som pra europeu ver, levou vários Mini LPs e fez um set de repertório. Espero ver um Live da próxima vez!
- Moodymann / Sem querer implicar, mas tocou Noir – Around (Solomun Remix), perdeu. Quase não acreditei.
Ainda bem que as surpresas foram infinitamente maiores e melhores que as expectativas, portanto as decepções acabam nem importando na soma final.
Na medida certa
Foi sensacional ver que existem tantas pessoas apaixonadas pela música, uma curadoria impecável, after hours, muita gente bacana e dias ininterruptos de Techno tão longe de um destino óbvio como Berlim. Com a diferença que se parecem muito mais com a nossa realidade, porque na segunda-feira todo mundo volta ao trabalho!
O conteúdo “humano” parece o principal diferencial: todos foram muito receptivos, e ao perceber que falávamos uma língua diferente, perguntavam de onde éramos, se surpreendiam que vínhamos de tão longe e tinham curiosidade em saber sempre um pouco mais sobre o que nos levou até Lyon, o que estávamos achando da cidade. Foi aí que percebi que esta nova experiência estava se espalhando como um vírus por todas as pessoas que conhecíamos. Elas também estavam vendo turistas brasileiros na sua cidade pela primeira vez. Uma cidade organizada e graciosa que me lembrou minha cidade natal, Curitiba: grande o suficiente para ter diversidade, mas não tanto a ponto de virar um caos, com um festival “na medida exata”.
Sobre o Nuits Sonores 2016? Não sei de nenhum detalhe, mas vá com fé (e nem se preocupe em saber falar francês!). Quem sabe nos vemos por lá!
Créditos imagens: Brice Robert
Ps: Nuit Sonores já foi destaque em nossa categoria Wishlist, Festivais dos Sonhos, Nuit Sonores do Daniel Tambarotti.