Entrevista: O Burning Man Por Uma Burner


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A edição de 2015 do Burning Man terminou há uma semana e, pela primeira vez, um projeto de arte brasileiro esteve em exibição na Playa, onde ficam as maiores e mais expressivas instalações da Black Rock City. O Projeto Mangueira é uma iniciativa de um grupo de amigos que sonhavam em levar a criativa brasileira para o maior festival de contracultura do mundo.

O sonho, que em parte virou realidade por crowdfunding, se materializou não apenas na instalação de arte, mas também em um camping para 60 pessoas. ‘A gente já entrou sendo uma arte grande’, nos contou Thaís Carneiro, uma das participantes do coletivo.

Encontramos a Thaís e sua sócia Manuela Allo há poucos dias de embarcarem para a Califórnia, onde a instalação já estava sendo montada. No idioma do Burning Man, a Manu ainda era considerada uma Virgin, ou seja, mal continha a ansiedade em participar pela primeira vez – e que grande estreia! – do Burning Man. Já a Thaís, que já havia participado das edições de 2011 e 2013, é considerada uma Burner. De malas prontas para sua terceira edição, ela nos contou algumas de suas histórias em um dos festivais mais desejados do momento.

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Pulso: Você já participou de duas edições do Burning Man. Poderia descrever como foi cada uma das experiências?

Thaís: Eu conheci o Burning Man através do meu namorado (o artista plástico Daniel Strickland, que é também o responsável pela criação da instalação do Projeto Mangueira), que já havia participado da edição de 2009. Na primeira vez que fui, em 2011, eu estava muito assustada, muito preocupada com o meu bem estar… Com medo de ser tudo muito hostil. Na verdade eu ainda não estava entendendo aquilo. Quando eu cheguei lá, quando eu entrei no templo, eu não conseguia parar de chorar. E toda a catarse que fui vivendo, a galera me dando presente o tempo inteiro, fazendo meu dia ser incrível, sem mexer em dinheiro, foi too much para minha cabeça. O dia todo vendo galeria de arte, vendo Bassnectar, circo, artistas incríveis, tudo que vc pode imaginar. Aí voltei chocada.

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Em 2011 o que mudou pra mim e só foi ecoar um pouco depois foi a questão do gifting. Eu aprendi a falar ‘obrigada’ de verdade no Burning Man. Digo que aprendi lá porque as pessoas começaram a me dar um monte de coisas, a me elogiar. Até então, quando alguém me elogiava, tipo, dizia assim pra mim: ‘poxa Thaís, que maneiro esse trabalho que vc fez!’. A minha reação normalmente era dizer: ‘ah, mas eu não teria feito sem sua ajuda ou de fulano’. E no Burning Man, eles falam que você deve saber falar obrigada e não simplesmente se justificar e de certa forma roubar o presente que o outro está te dando, um elogio, um apoio, qualquer coisa. Porque quando alguém te elogia de coração, é igual dar um presente para uma criança no Natal. A pessoa quer ver o sorriso, aquela felicidade. Quando você se justifica, você rouba isso. Todo mundo sai melhor se você simplesmente aceitar o elogio. Quando eu voltei, percebi que isso era possível, que a pessoal se sente muito feliz em você falar ‘obrigada’ pra ela. Aí eu comecei a trazer isso pra minha vida. Mudou a minha vida.

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Pulso: Como é viver durante oito dias em uma cidade temporária, montada no meio do deserto e onde a circulação de dinheiro é limitada? (nota: os únicos itens comercializados são café, gelo e a troca da água suja dos motorhomes)

Thaís: Durante oito dia, Black Rock City é um espaço legalizado pelo governo americano, inclusive está no Google Maps. Aqui (no Rio), nós vivemos em uma cidade e sabemos que existem leis, regras, uma constituição. Lá é a mesma coisa. É uma cidade que também tem suas regras, mas ao invés de serem leis, são dez valores. Então é realmente uma experiência de viver em uma cidade. Tem bombeiro, cafeteria, tem lugar para as pessoas se casarem, tem lugares para as pessoas terem filhos… Tem até uma central de divórcio provisório. Você pode se divorciar só durante aqueles oito dias e depois se casar de novo… É tudo subversivo, mas funciona como uma cidade. Só que nada é uma experiência normal. Se você vai ao correio, tem que cantar uma música (para ser atendido). O cara que está trabalhando lá tem que sentir que a pessoa que vai receber a carta merece o selo, a carta… Tudo o maior barato! Então, você vive um uma cidade por oito dias onde não tem dinheiro e nenhuma ativação de marca. A cidade acontece e não tem uma lata de lixo lá, ninguém deixa lixo em lugar algum. Então, tudo se constrói e se destrói porque existe uma outra filosofia, que é a maior de todas: não há expectadores. Então todo mundo que está ali não vai simplesmente pagar ingresso e não fazer nada pelo ambiente, pela cidade, pelo grupo. Você ajuda seu vizinho montar a montar a barraca e você cria uma super relação com ele. É essa a essência, o fim.

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Pulso: Você falou anteriormente sobre um dos principais valores do Burning Man, o gifting, que é a base das relações (e da sobrevivência) no Burning Man. Você teria um exemplo para contar, na prática, como que isso acontece lá? 

Thaís: Uma vez que vi estavam oferecendo internet em um dos campings. Chamei um amigo, pegamos uma bike e debaixo do maior calor, fomos até lá. Depois de pedalar debaixo daquele sol, chegamos bem cansados e imediatamente veio uma velhinha vestida de copeira old school americana. Ela estacionou minha bike, me ofereceu um lugar para sentar, começou a me borrifar água para refrescar. Na sequência ela me ofereceu uma travessa com legumes fresquinhos gelados. Imediatamente eu fui colocada em uma fila para receber uma massagem tailandesa. A internet só seria liberada junto com a massagem, que também era feita com um óleo especial, que protegia a pelo do clima do deserto. Ou seja, eu fui apenas usar a internet, mas recebi vários cuidados. Tudo sem usar dinheiro. Nada é óbvio.

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Pulso: Você acabou de voltar pela 3ª vez do BM, o que teve de diferente sobre suas percepções sobre o festival?

Thaís: Você demora a entender e a processar sua primeira experiência burner. Os dois primeiros anos que fui ao festival, 2011 e 2013, procurei “experenciar” e observar a dinâmica dessa gigantesca, criativa e inacreditável cidade. Você demora a processar suas vivências por lá. Mas uma vez que você entende como funciona na prática e realiza que cada um ali dentro está oferecendo, doando e proporcionando o seu melhor para o outro sem esperar NADA em troca (gifting), você também passa a sentir necessidade de criar algo que não seja apenas uma vivência individual.

Essa equação nos leva diretamente ao propósito do Projeto Mangueira e ao camping do Brazilian Burners. Queríamos levar a ARTE Brasileira como um gifting e ajudar ao máximo de brasileiros a experencia-lo como retribuição a tudo que já vivemos por lá. Não queríamos apenas ir, queríamos ser parte da comunidade e oferecer algo em troca para todos seus integrantes.

Por isso, esse ano foi complemente diferente de todos os anteriores que eu fui: Me desloquei da vivência apenas individual para, de fato, viver uma experiência de doação comunitária.

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Parte do crew do Projeto Mangueira – Manuela e Thaís (ao lado direito)

Levamos arte e montamos um camping para mais de 80 brasileiros. Foi muito exaustivo levar um projeto desse porte para o BM. O departamento de arte é super exigente e a logística de montagem da intalação extremamente complexa. O desafio foi IMENSO, árduo, mas absolutamente compensador. Tivemos a oportunidade de interagir com todos os artistas que fazem o BM ser o maior polo de criatividade e expressão do mundo. Estavámos ali, erámos parte dessa gigantesca engrenagem.

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Projeto Mangueira

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Pulso: Fala um pouco pra gente do Projeto Mangueira, que que rolou?

Thaís: Foi a experiência mais louca, complexa, intensa, exaustiva, emocionante do mundo. Nós aprovamos junto do departamento de mídia deles um documentário oficial da jornada dos Brazilian Burners. É tanta coisa interligada que prefiro que vocês vejam por lá. =)

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* Todas as fotos são da Thaís, direto do Burning Man.

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