Burning Man: Relatos de Uma Virgin


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Esse ano eu tive a honra de vivenciar pela primeira vez o Burning Man. Ouvi falar sobre esse “evento” (se é que podemos chamá-lo assim) em 2011, através da minha grande parceira-sócia-amiga Thaís Carneiro, que já explicou a sua experiência burner e a dinâmica do BM por aqui. Como se não fosse suficiente, foi ela também quem me introduziu ao Coletivo Brazilian Burners, do qual faço parte, e que teve como missão levar a primeira instalação de arte 100% brasileira para a Playa, através de um lindo trabalho colaborativo: o Projeto Mangueira. Definitivamente, não tinha como ser melhor a minha estreia no deserto de Black Rock City.

Projeto Mangueira, do Coletivo Brazilian Burners. Fotos: Rizza Bomfim
Projeto Mangueira, do Coletivo Brazilian Burners. Fotos: Rizza Bomfim

E foi entre instalações de arte magníficas, campings acolhedores, mil eventos dos mais variados possíveis, uma paisagem exuberante e muita tempestade de areia que eu entendi que a grande mágica do Burning Man é uma só: as pessoas. Uma cidade colaborativa que se ergue do nada, no meio do inóspito deserto de Black Rock, com uma dinâmica de relações completamente oposta ao que estamos acostumados: sem dinheiro, sem julgamento, sem o óbvio. O espaço perfeito para aflorar o lado mais humano e criativo de todos nós.

Foto: Rizza Bomfim

O que vivi nesses 7 dias beira o indescritível, mas tento aqui resumir um pouco do que aprendi na troca e na conexão com tanta gente incrível e que pretendo levar para a vida daqui pra frente.

Seja grato aos momentos de adversidade. Não posso dizer que passei por nenhuma situação ruim no deserto, mas sempre há alguma coisa que foge ao nosso controle. Em todos esses momentos eu fui acolhida por alguém, entre amigos e, principalmente, desconhecidos. Aprendi da forma mais bonita o poder multiplicador da generosidade na prática e o quanto somos maiores quando nos damos a mão.

Não precise da perda para aprender a valorizar quem é especial. As minhas visitas ao Templo foram, sem dúvida, os momentos mais emocionantes que vivi no Burning Man: foi praticamente impossível conter as lágrimas diante de tantas declarações de amor, dor e saudade que vi por todos os lados. Duas homenagens, das mais simples, foram as que mais me tocaram. “Meu pai, meu amor, minha vida” e “Mãe, obrigada por tudo” foram as frases responsáveis por me fazer chorar copiosamente durante a minha travessia. Naquele momento, meu choro era uma mistura de empatia pela dor de quem estava sofrendo com gratidão pois eu tenho a sorte de ter os meus pais e meu irmão, vivos e saudáveis, sempre ao meu lado. Enquanto contemplava o Templo queimar no último dia, aquele fogo, que para mim remetia à força da vida, me lembrou que melhor do que homenagens póstumas é valorizar aqueles que amamos enquanto eles estão conosco.

O Templo das Promessas era um convite à espiritualidade e à homenagem a pessoas especiais que já se foram. Ele queima no último dia, em uma cerimônia de contemplação onde todos os participantes sentam-se em silêncio para apreciar o espetáculo e se conectar consigo mesmo. Foto: Manuela Allo

 

Foto: Manuela Allo

Cuide do que é seu e, principalmente, entenda que você é sempre parte de um todo. Um dos exemplos mais palpáveis do espírito burner, na minha opinião, é o fato de ser praticamente impossível encontrar um lixo sequer no chão. Num lugar onde se reúnem 70 mil pessoas, onde não há lixeiras disponíveis e não existe um sistema de coerção (afinal, quais são as chances de você tomar uma multa por jogar lixo no chão em Black Rock City?), o que torna possível tamanha “civilidade”? A resposta ficou bem clara para mim: senso de pertencimento e responsabilidade. O Burning Man não é só para todos – ele é de todos e feito por todos. Não a toa, muitos se referem à BRC como suas casas. Esse pertencimento ao qual todos nós nos imbuímos enquanto estamos lá desenvolve também um forte senso de responsabilidade, que vai além do cuidado com o ambiente até o bem-estar das pessoas envolvidas. Não há lei externa ou possível punição que nos mova no sentido de cuidar ao máximo possível de algo quanto a certeza de que aquilo é de todos nós.

Vista aérea do Burning Man: 70.000 reunidas e 0 lixo no chão. Foto: I Hate Flash

Acredite: a vida é simples. Quando retiramos alguns dos elementos presentes na nossa sociedade, como a competitividade, o julgamento, a falta de identificação com o próximo e a mediação de relações com base exclusivamente no valor monetário, vemos que o que flui do ser humano é o que há de mais belo e puro: a generosidade, o companheirismo, a alegria e a criatividade. Não existe rivalidade em Black Rock City pois ela é totalmente dispensável: onde todas as formas de manifestação pessoal são permitidas sem que haja um julgamento em parâmetros impostos, há espaço para a plena valorização de todos em suas mais diversas particularidades. Entendemos que não é preciso ter perdedores para que sejamos vencedores; não é preciso escassez, para que poucos tenham acesso à abundância. A coletividade produz muito, muito mais do que imaginamos.

A escultura “LOVE, de Alexandr Milov. Foto: Manuela Allo

Ofereça sempre e a todos nada menos do que o seu melhor “eu”. Tão gratificante quanto ser acolhida é acolher, quanto receber um sorriso é distribuí-lo, quanto ser ajudada é ajudar.  É nesses momentos que nos tornamos mais humanos, que entendemos o quanto somos fortes, que deixamos fluir a compaixão e empatia pelo próximo. E não há recompensa maior do que nos reconhecer no que há de mais bonito dentro de nós.

Foto: Manuela Allo

Esses tópicos podem parecer clichés, mas acredito que todos nós acabemos nos esquecendo de uma ou outra lição na correria do nosso dia-a-dia. Vivenciá-los em sua plenitude num local hostil como o deserto, onde seu conforto pessoal é reduzido ao mínimo, é entender o que realmente tem valor em nossas vidas. No meu caso, foi a certeza de que sou uma construção das relações e conexões que desenvolvo com os outros e com o ambiente, um mosaico de experiências compartilhadas, de sorrisos trocados e de abraços apertados. Sem o outro, eu não sou nada; no coletivo, eu posso e quero ser sempre o melhor de mim.

Na entrada do Templo, a lembrança do que é realmente importante nesta vida. Foto: Manuela Allo
A escultura R-Evolution de Marco Cochrane e eu. Foto: Michel Coeli
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