Anama: Como Foi Participar de um Festival Colaborativo


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Acredito que conheço mais pessoas que “gostavam” do que “gostam” de trance. Entendo se pensar em tudo que vi mudar na última década, não só sobre a música, mas também sobre os eventos. A oferta de festas, principalmente aqui no Rio de Janeiro, com a qualidade de lineup e estrutura que se espera tem diminuido consideravelmente nos últimos anos. Quase todas as raves se transformaram em templos para ritmos low, como minimal e electro, o que acabou afastando quem gosta do bom e velho psytrance. Mas o Anama me mostrou que o espaço dos altos bpms ainda está preservado em um meio termo entre as festas urbanas e os grandes festivais de trance: os festivais colaborativos.

Faço parte de um grupo chamado “Queremos Psytrance no Rio” e embora veja há anos movimentos organizando festas e pequenos festivais a partir do financiamento coletivo, apenas na edição III do Anama tive a oportunidade e o real interesse em participar de um festival desse tipo. Conheço com proximidade alguns membros da produção e os relatos sobre edições anteriores foi o suficiente para que eu participasse dessa edição, que ocorreu no último fim de semana no Sítio Dedo de Deus, em Citrolândia, distrito de Guapimirim, quase Teresópolis, pouco mais de 1h de carro do Rio.
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Foto: Coletivo Anama

Como se organizaram

A divulgação do evento começou em Março. Como todo produto/causa/evento de financiamento coletivo, o festival só aconteceria caso houvesse um número mínimo de pagantes para viabilizar o espaço e atrações. Nessa edição, atingiram o número máximo de participantes, 140.  Sim, um festival para apenas 140 sortudos. Esse é o limite imposto pela produção e pelo sítio. Conforto, segurança e organização são inegociáveis para a produção e posso dizer que esse detalhe me levará nas próximas edições.

E se engana quem pensa que um festival para um número tão limitado de colaboradores perde. Eu também achava “muita função” para pouca gente. Mas não é. Isso proporcionou um clima único, onde todos já “se conheciam” em poucas horas. Todos possuíam amigos em comum com todos. Todos estavam abertos a novas amizades, conversas e a colaborar com o próximo.  Esse clima ampliou o “colaborativo” do festival para além do financiamento, chegando até a experiência que todos puderam viver.

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Foto: Fernanda Micky

O que o Anama ofereceu

O sítio é preparado para receber eventos como retiros de igrejas e encontros de escoteiros, por isso possui dormitórios coletivos e uma cozinha industrial disponível para todos. É um prazer ir para um festival – principalmente tão curto – e não ter que se preocupar com camping. Cheguei no festival sexta-feira a noite, algumas horas após a abertura do espaço, e encontrei logo um dos alojamentos. Arrumei minha cama e deixei meus pertences nela.

Completa sensação de segurança e tranquilidade. Fui explorar o sítio e encontrei uma roda sobre Redução de Danos. Lidar com maturidade sobre esse assunto é ser realista e diz muito sobre a consciência e responsabilidade que todos ali carregam. É o que esperamos de festivais desse tipo.  Em seguida, Cinedélico, que exibiu filmes e documentários sobre a cultura psytrance durante a noite.

Acordei confortavelmente por volta das 9h no sábado. Não levei relógio e o meu celular ficou no carro. Curtir o festival e esquecer do mundo fora daquele sítio completou a experiência. Aqui no Projeto Pulso se discute com frequência sobre o que compõe um festival e há um consenso de que o que leva alguém até um festival é, além da música, a experiência que ele pode proporcionar. E do Anama, do Tupi-Guarani “Família”, foi um resgate a cena trance que conheci ainda moleque e que parecia perdida pra mim.

Após o café da manhã, participei de duas atividades, Prática de Yoga e Oficina de Shiatsu. Foi divertido interagir na oficina com pessoas que eu ainda não conhecia, mas que estavam abertas a fazer novas amizades e estavam oferecendo e recebendo algo especial: empatia.

Foto1Foto: Fernanda Micky

O festival estava pronto para o ritual de abertura da pista, com Danças Circulares. Foram várias, todos participaram, sorriram, se conectaram. O clima para que a pista fosse aberta em completa harmonia foi estabelecido.

A Dança Circular é cooperativa por natureza e ela se torna sagrada pelo fato de permitir que os participantes entrem em contado com sua essência, com seu eu superior. Em roda, de mãos dadas, olhos nos olhos, o resgate das danças folclóricas traz a ancestralidade à flor da pele e conecta cores, raças, tempos e espaços, acessando outros níveis de consciência e percepção. Esta prática prepara o ser humano para uma nova etapa da humanidade, onde harmonia e paz serão reflexos de atitudes de cooperação e comunhão.  – trecho do texto de apresentação do ritual.

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Foto: Welington Gomes

A música começou no meio da tarde e tivemos um espetáculo dos DJs. No lineup, 15 nomes, inclusive dois gringos, começando por Downtempo e contando uma história sobre o psytrance nos mais altos BPMs, ouvimos Progressivo, Progressivo Dark, Full On, Full On Night Old School, Forest, Dark, Hi-Tech, Goa, Suomi, Kinematic e finalmente já com o sol de domingo no topo das nossas cabeças, um set sensacional de Rock Progressivo. Foram 22h de música de muita qualidade. Depois mais 5 DJs que estavam entre os colaboradores puderam se apresentar na “Jam Session”, até o anoitecer de domingo, quando o festival acabou.

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Fotos: Fernanda Micky

Não consegui contar quantas crianças estavam no festival. E encontrar crianças em um festival de música eletrônica diz muito sobre o ambiente, sobre o respeito mútuo entre todos os colaboradores. Outros pequenos detalhes mostram o comprometimento de todos: não havia lixo no chão, repare nas fotos. Todos respeitavam o espaço do próximo e o quanto estávamos próximos a natureza. Banheiros, cozinha e alojamentos limpos também deixaram alguns diferenciais do Anama claros.

Encontrei tudo que fui buscar no festival e muito além.  O ingresso que custou apenas R$100 me ofereceu hospedagem, programação cultural por todo fim de semana, gelo e água mineral. Quantos festivais no Brasil oferecem o recurso mais fundamental para o ser humano, de graça? Esse é um costume em festivais de psytrance em todo o mundo e já passou da hora de ser adotado aqui.  O Anama não possui bar próprio, por isso disponilibizavam gelo. Cada colaborador podia (e deveria) levar sua comida e bebida. Embora houvesse colaboradores comercializando crepes, sanduíches, sopas etc para quem prefere o conforto de não se preocupar com esses detalhes.

Fiz novos amigos. Curti a piscina. Emprestei manteiga na cozinha e ganhei uma fatia de bolo depois. Provei a canjica que um dos colaboradores carinhosamente fez e ofereceu para todos. Tive dificuldade de mover uma cadeira da piscina e no mesmo segundo outro colaborador me ajudou a carregá-la mesmo sem que eu pedisse ajuda. Deixei meu cooler com bebidas durante toda a madrugada na pista quando fui dormir algumas horas e encontrei exatamente como e onde deixei. Foi muito especial.

Que venham muitas novas edições do Anama. Que venham muitos festivais colaborativos, que seguem suas premissas, que nos apresentam e enriquecem com a cultura do psytrance. Que festivais grandes se inspirem nesses modelos que aproximam e conectam as pessoas e proporcionem experiências mais intensas, calorosas e espontâneas.  Vida longa ao psytrance.

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Foto: Fernanda Micky

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