Review: Glastonbury 2017 – O Festival dos Festivais


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Transformar em palavras a experiência proporcionada por Glastonbury e descrever todos os momentos especiais vividos nesse lugar único é uma tarefa árdua. Porém, vou tentar contar um pouco do que vi e ouvi durante o festival dos festivais.

Criado em 1970 por Michael Eavis, Glastonbury é o sonho de consumo de 99% dos festival-goers. Considerado uma espécie de Santo Graal dos viciados em música e shows, é um dos eventos mais icônicos que existem. Em 2017, teve os 135 mil ingressos esgotados em apenas 50 minutos.

(Tradicionais bandeiras de Glasto. Imagem: The Guardian)

A caminho da Worthy Farm:

Saímos de Londres por volta de 3h30 da manhã de quarta-feira (21/06) e chegamos na Worthy Farm, local do evento, cerca de 4h depois. A viagem no ônibus da National Express foi tranquila e custou cerca de 60 libras ida-volta.

Saltamos do bus meia hora antes dos portões abrirem, o que se provou o timing perfeito. Praticamente não pegamos trânsito e as filas ainda não estavam muito grandes. Após liberarem a entrada do público, levamos cerca de 45 minutos para conseguirmos passar pelos portões que dão acesso ao festival. Apesar dos diversos anúncios sobre revistas mais intensas devido aos recentes ataques terroristas em Manchester e Londres, nenhuma das nossas mochilas foi checada pelos seguranças.

Glasto é um gigante. Isso todos já sabem. Mas quando você têm mochilão, cadeira, barraca, colchão, comida, bebida – e por aí vai – para carregar, parece que as dimensões tornam-se ainda maiores. Para a nossa sorte, uma das pessoas do grupo tinha um amigo que estava trabalhando no festival. O tal amigo possuía uma bicicleta com um espaço grande para colocar malas (Santo Derek!). The Albert Hoffmann Tribute Vehicle, como a bike era chamada, nos salvou no começo (e no fim) da nossa jornada.

(Vista aérea do festival. Imagem: Divulgacao)

Para quem está indo do Brasil, uma boa dica é deixar para comprar itens de camping no próprio festival. Pelo mesmo preço (ou apenas um pouco mais caro), é possivel achar barraca, colchão inflável, cadeira e etc., sem ter que se preocupar em carregar tudo para o evento. Suas costas vão agradecer! No fim, você pode doar o que não quiser para refugiados em alguns pontos do festival. Ótima iniciativa que, infelizmente, não foi aderida pela maioria das pessoas, que abandonaram as barracas pela fazenda.

Camping:

Existem diversas opções de camping, com preços diferentes. Quem quiser mais conforto, pode alugar espaçosas barracas com cama e chuveiro, que são montadas pela produção. Há também um espaço para trailers. No nosso caso, optamos pelo camping que estava incluído no valor do ingresso, que custou cerca de 250 libras.

Diferentemente de festivais como o Tomorrowland, os campings se misturam ao cenário de Glastonbury. São diversas áreas espalhadas pela Worthy Farm e muitas delas estão localizadas em frente aos palcos principais.

(Tipi Village concentra as barracas que podem ser compradas por um preço adicional. Imagem: Divulgação)

Como os campings possuem perfis bem diferentes, é bom pesquisar em qual você prefere ficar. Alguns são mais calmos, outros mais agitados. Também é útil ter uma ideia do palco onde você pretende passar mais tempo e procurar um local que possibilite fácil acesso a ele.

Ficamos no Penard Hill Ground, um dos campings mais famosos do evento. Como chegamos cedo, conseguimos pegar um lugar em uma subida, o que evita alagamentos em caso de chuva. Além disso, ficamos perto do banheiro, o que é bom não apenas para evitar surpresas na madrugada, mas também porque a maioria deles possui uma estação de água onde é possível encher a sua garrafa de graça.

O melhor aspecto do Penard Hill Ground é que o camping está localizado bem perto das principais vias do festival, o que facilitou muito a nossa locomoção. O aspecto negativo é que a música no The Park/Arcadia, áreas perto de nós, acabava tarde e começava cedo. Para aguentar cinco dias, é preciso de algum conforto e cada hora de sono é muito preciosa.

(Imagem: The Guardian)

Áreas e Palcos:

Não é exagero afirmar que Glastonbury é um conjunto de festivais realizado no mesmo lugar. No site oficial do evento estão listadas 30 áreas diferentes. Cada uma possui suas subdivisões com bares, clubs, palcos e objetos não-identificáveis. Após um primeiro reconhecimento do território, ficou evidente que é impossível aproveitar tudo e é necessário fazer escolhas bem difíceis, já que cada espaço têm o seu atrativo.

Os meus favoritos foram:

Green Fields: Nos sentimos como se fôssemos teletransportados para um acampamento hippie isolado da vida da cidade. O clima é de paz total, com muitas opções de massagem, comidas vegetarianas e diversas tendas de ativismo político. Um lugar totalmente zen e espiritual no meio da loucura do festival. Perto dali fica o Stone Circle, circulo de pedras semelhante ao Stonehenge, onde ocorre a cerimônia de abertura do evento.

The Park: Localizado logo abaixo da colina que possui o famoso letreiro colorido escrito “Glastonbury”, o The Park é uma área que concentra um grande número de atrações. A mais famosa delas é o Rabbit Hole, bar no qual você precisa se agaixar no chão para conseguir passar pela pequena porta.

(Imagem: Divulgação)

Arcadia: Imagine um palco em forma de aranha. Adicione muitos fogos, um som nas alturas e dezenas de milhares de pessoas dançando. Esse é o Arcadia, arena que está presente em Glastonbury há anos e também bate ponto em festivais como o Ultra, em Miami.

(Imagem: Andy Hughes)

Shangri-La: Um dos lugares mais icônicos do festival, o Shangri-La foi inteiramente decorado com o lixo de outras edições, em uma clara crítica às práticas não-sustentáveis dos presentes. O espaço é um labirinto de arte, clubs e palcos, aonde é possivel curtir até de manhã. Após o encerramento dos palcos principais, o Shangri-La fica lotado e filas são comuns. Mas tudo muito organizado, no melhor British way.

(Imagem: Anna Barclay)

Block 9: Em termos de cenografia, o Block 9 é uma das áreas que mais chama a atenção, com um clima pós-apocalíptico. O palco principal é uma estrutura gigante com blocos que formam estufas. Um dos clubs do local possui um vagão de metrô atravessado na fachada principal e o outro parece estar constantemente pegando fogo, com muita fumaça saindo pelas janelas. O UK Bass reina por lá com muito grime, 2 step, dubstep e drum’n’bass.

(Imagem: Divulgação)

The Common: Outra área que ganha vida à noite. Por lá, é possivel avistar uma pequena cachoeira (!!!) e o Temple, arena gigante que reúne os ravers até de manhã. Ver a pista bombando de cima de uma das arquibancadas do local é uma experiencia única.

Kidzfield: Um verdadeiro parque de diversões com brinquedos de todos os tipos, shows infantis, muitos artistas fantasiados e um clima lúdico que encanta crianças e adultos. Ótima pedida para os pais/mães que amam festivais e não querem deixar os filhos pequenos em casa.

(Imagem: Tom Widd)

Festival também é política:

Desde as primeiras edições, Glastonbury possui uma forte veia política. Durante muito tempo, a principal bandeira do festival foi a campanha de desarmamento nuclear. Após o fim da Guerra Fria, o evento passou a apoiar organizações como o Greenpeace, Water Aid e Oxfam. Todo ano, cerca de duas milhões de libras são doadas para essas ONGs.

Em troca, as três organizações têm um papel importante no festival. A OXFAM é a principal fonte de voluntários de Glasto, reunindo centenas de pessoas que auxiliam em diversos aspectos diferentes do evento. A Water Aid administra estandes que oferecem água gratuita e informam sobre a importância de preservarmos os recursos hídricos do planeta. Já o Greenpeace, possui uma grande área com palco, bares, pista de skate, cenografia inspirada na natureza e até chuveiros que precisam de senha para serem usados. Apesar dos esforços para tornar o festival sustentável, o lixo no chão impera por todos os lados. Porém, a campanha para combater o xixi fora dos banheiros funcionou muito bem!

(Imagem: The Guardian)

A área do Greenpeace pode ser considerada a única verdadeira ativação de marca em Glastonbury. Outras brands possíveis de serem identificadas facilmente são a EE, empresa de telefonia móvel que possui um grande estande no qual o público pode carregar os celulares e a Carlsberg, que estampa os copos do festival. Nada comparado a eventos verdadeiramente comerciais como o Rock in Rio, por exemplo.

(Imagem: Andrew Allcock)

Glastonbury rolou poucas semanas após as eleições britânicas. Jeremy Corbyn, o candidato do Labour Party, foi o grande ícone político dessa edição. A todo momento, o público puxava o grito de “Ooooh Jeremy Corbyn” (no ritmo de Seven Nation Army). Inclusive, ele fez um discurso para apresentar o duo de hip hop californiano Run The Jewels no Pyramid Stage, reunindo uma verdadeira multidão.

(Corbyn discursa no Pyramid Stage. Imagem: The Guardian)

A política está presente em diversos aspectos do festival. Left Field é uma tenda destinada a debates sobre temas relevantes como fake news e a democracia moderna. Apesar de não ter conferido os debates, reparei que a tenda estava sempre cheia. Além disso, no Shangri-la era possível ver banners publicitários que ironizavam diversos aspectos da sociedade em que vivemos. Já no Green Fields, estandes de diversas ONGs e ativistas conversavam com os interessados e informavam sobre como se envolver em diferentes movimentos sociais.

Bares e Comidinhas

Normalmente, festivais de música possuem uma estrutura padrão de bar, que é replicada por todo o evento. Não importa se você vai pegar cerveja ao lado do palco ou perto da entrada, a cenografia e as opções oferecidas são sempre as mesmas.

Já em Glastonbury, todos os bares são diferentes uns dos outros. Uma hora você está bebendo em uma construção de madeira ouvindo country, em outra está sentado em um tapete vermelho embaixo de um teto psicodélico. Explorar as centenas de bares é uma das experiências mais divertidas do festival. Um pint de 500ml de Carlsberg custa cinco libras em média, mesmo preço dos pubs londrinos.

(Imagem: Andrew Allcock)

O mesmo conceito se aplica às barracas de comida. Seja você vegetariano, vegano ou carnívoro convicto, existem muitas opções para repor as energias durante o evento. Os preços de um prato individual variam entre 5 e 10 libras. Porém, também é possível achar alguns tesouros como a deliciosa samosa vegetariana de uma libra em uma barraca no Green Fields. A variedade é impressionante e possibilita uma volta ao mundo pelos mais diversos sabores. Meus pratos favoritos foram em barracas de comida indiana e libanesa.

(Imagem: Divulgação)

Gastos Gerais:

Você deve estar se perguntando: quanto custa tudo isso?

Fora o ingresso (250 libras) e a passagem de ida-volta de Londres (60 libras), gastamos cerca de 30/40 libras por dia com comida e bebida. É possível gastar menos, dependendo do quanto você consegue levar de casa (só não pode levar recipientes de vidro) e a sua aptidão ao álcool. Porém, um dos maiores gastos é o kit de sobrevivência que compramos para enfrentar essa maratona: barraca, saco de dormir, bota, capa de chuva, roupas, etc, etc, etc. Para quem mora na Europa e costuma ir sempre em festivais, esses gastos só são feitos uma vez.

Um ótimo jeito de economizar é ir a Glasto como voluntário. Funciona da seguinte forma: você paga o preço do ingresso e a organização para a qual está trabalhando devolve a quantia caso você complete todos os seus turnos. Normalmente, são três turnos de oito horas cada durante todo o evento.

Após não conseguir ingresso, Pedro Henrique de Souza, brasileiro que mora em Londres, foi ao festival como voluntário pela Festaff e afirmou: “as maiores vantagens de ser voluntário são o camping com banheiro e chuveiro exclusivos, a possibilidade de chegar antes de todo mundo e ver os últimos preparativos para o festival, além do networking com outros voluntários mais antigos, que possuem as melhores dicas”.

( Imagem: Divulgação)

Glastonbury não tem cara:

Sem dúvidas, o que faz Glastonbury ser tão especial é a enorme variedade de pessoas que o festival atrái. Ao andar pelas diferentes áreas do evento, não pude deixar de lembrar de amigos com perfis completamente diferentes. Aquela amiga hippie que mora na Ilha da Gigóia poderia passar horas e horas no Green Fields. A amiga rainha das pistas ia se acabar no Arcadia e Temple. Ja a outra chef de cozinha ia querer experimentar o máximo de sabores possíveis.

(Imagem: Max Ellis)

Demos sorte e a chuva só apareceu em rápidos momentos durante os cinco dias. Nem precisamos usar as botas (wellies) que compramos para enfrentar a lama. O sol deixou a vibe ainda mais incrível e o clima de paz e amor (clichê, eu sei) tomava conta da Worthy Farm. Conversamos com diversas pessoas em diferentes momentos e a reação era sempre a melhor possível. Conhecemos outras que saíram conosco todos os dias. Gente de todas as idades, raças, tribos, backgrounds, profissões. Glastonbury não tem cara.

(Imagem: The Guardian)

Porém, o que mais me chamou a atenção foi a enorme quantidade de crianças. Desde bebês de colo até pré-adolescentes, era possível avistar baixinhos por todos os lados. Com um grande playground (Kidzville) e ingressos gratuitos para menores de 12 anos, o festival parece incentivar os pais a trazerem xs filhxs para esse mundo mágico. Definitivamente, são crianças assim que o mundo está precisando.

(Imagem: Inacio Martinelli)

Melhores Shows:

Existem atrações musicais para absolutamente todos os gostos em Glastonbury. Oficialmente, o festival rola de quarta a domingo. Porém, na quarta-feira apenas algumas áreas funcionam e a maioria dos bares ainda não estão abertos. Nesse dia, rola uma cerimônia de abertura especial no Stone Circle, com música herudita, fogos e dragões chineses (!!!). Difícil de explicar.

(Imagem: AFP)

Já na quinta-feira, mais áreas estão abertas e alguns palcos já possuem shows. De sexta a domingo, o festival funciona a todo vapor. Optei por curtir shows de dia e me aventurar pelas áreas de música eletrônica à noite. Porém, caso você queira transformar Glasto em um Tomorrowland, também é possível pois os beats rolam por lá do começo ao fim do evento. As apresentações que mais curti foram:

Justice: Produção impecável e repertório que mescla perfeitamente os clássicos da dupla com as músicas do álbum “Woman”, lançado em 2016. O lightshow foi um espetáculo a parte e empolgou muito o público, fechando o West Holts Stage no último dia de festival com chave-de-ouro.

Solange: Sou suspeito para falar pois “A Seat at The Table” foi o álbum que mais ouvi nos últimos 6 meses. Porém, é evidente que Solange evoluiu muito como artista e apresentou um show performático, com uma banda afiadíssima e uma produção simples e elegante.

(Imagem: BBC)

Chic feat. Nile Rodgers: Clássico seguido de clássico, é impossível ficar parado ao som do CHIC com o mestre Nile Rodgers. Show de dia, reuniu uma multidão no Pyramid Stage e transformou o local em uma grande pista de dança.

Alt-J: Natural de Leeds, na Inglaterra, o trio Alt-J faz um enorme sucesso no país. Já havia conferido o show deles no Lollapalooza Brasil 2015 e confesso que não me empolgou muito. Porém, a apresentação que encerrou o Other Stage no segundo dia de festival superou todas as minhas expectativas. Banda impecável, desfilando diversos sucessos com uma iluminação minimalista incrível. Ponto alto do festival.

(Imagem: BBC)

Moderat: Modeselektor + Apparat. Grave estalando e músicas para dançar muito. Deixou um gosto de quero mais.

Ross From Friends: Produtor inglês, faz um som low BPM, quase ambient. Porém, sabe incluir com maestria momentos mais dançantes no set. Tocou acompanhado deum baixista e um saxofonista, dando um toque especial à apresentação. Vale uma busca no Spotify!

Menção Honrosa:

The XX: Apesar de perder o impacto visual durante o dia, o som do trio contagiou o Pyramid Stage e promoveu alguns dos maiores coros do festival.

The Flaming Lips: Wayne Coyne e cia estavam jogando em casa e começaram o show com o hit “Race For The Prize” acompanhado de uma chuva de confetes, luzes psicodélicas, bichos de pelúcia gigantes e por aí vai. Mais Flaming Lips impossível.

(Imagem: BBC)

Hercules & Love Affair Soundsystem: Apesar de não contar com a banda e show completos, o Hercules & Love Affair botou todo mundo para dançar no Block 9 com dois cantores, um DJ e muita house music.

NY Brass Band: Acompanhei duas apresentações de uma das brass bands mais famosas do mundo. A primeira rolou no fim de tarde no letreiro de Glastonbury, com todo mundo em volta cantando. Me lembrou do Carnaval do Rio. A segunda foi de dia no Shangri-La, debaixo de um sol perfeito, que também me lembrou do Carnaval do Rio.

Outros shows que fizeram sucesso entre os amigos foram os do Foo Fighters no Pyramid Stage e a apresentação surpresa do The Killers no John Peel Stage.

(Imagem: The Guardian)

Glastonbury é uma daquelas experiências que todo mundo precisa conhecer uma vez na vida. Não importa a sua idade ou o seu gosto musical, o festival é um mundo a ser explorado com infinitas possibilidades. Tenho certeza que se eu fosse na próxima edição, poderia passar o festival inteiro apenas em lugares que não consegui conhecer dessa vez.

Durante cinco dias, a Worthy Farm se transforma em uma sociedade utópica, onde as nossas esperanças por um futuro melhor são renovadas. Um ótimo sopro de energia positiva, essencial em tempos tão sombrios.

Conversando com um coroa inglês à espera de um show, ele me diz que já foi entre 10 e 15 edições de Glastonbury. Ao longo do tempo, perdeu a conta exata. Em seguida, ele me afirmou: isso é o melhor que o Reino Unido têm a oferecer ao mundo. Mesmo sabendo que na Terra da Rainha surgiram a revolução industrial, o mapeamento do DNA e os Beatles, não hesito em concordar.

(Imagem: Tom Widd)

 

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